quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cidade da Noite

Está frio, mas isso não me incomoda, ele faz parte de mim, do que eu me tornei. O frio e a noite sempre foram meus companheiros. Até hoje.

É tarde, a floresta está imersa na noite, mas está longe de ser silenciosa. Salto entre os galhos sem acreditar no que vejo. Uma alcatéia está atravessando a mata e no meio dela uma jovem com não mais do que vinte anos. Ela parece fazer parte da alcatéia, e por algum motivo, eu não consigo parar de segui-la. Eles são velozes, e a menos que revele a minha presença não vou conseguir acompanhá-los.

Alcançamos os limites da floresta. Eu já estava ficando para trás. Deixo que se afastem, seria arriscado e tolo tentar segui-los sem cobertura e, se realmente são o que imagino, me fariam em pedaços. Fico agachado sobre os galhos observando enquanto se afastam. A garota pára enquanto o resto da alcatéia prossegue. Ela olha diretamente para o ponto onde estou e parece farejar o ar. Ela me encara, embora eu esteja certo de que não pode me ver. Aqueles olhos castanhos brilhantes esquadrinham a mata enquanto os cabelos negros esvoaçam para trás com uma brisa da noite. A jovem olha fixamente para o ponto onde estou, as nuvens se afastam levando a escuridão. O luar revela sua pele alva e um traje incomum, que realça as silhuetas do corpo...

– O que estou pensando? – Sussurro para mim mesmo abaixando a cabeça. Distraio-me e quando volto minha atenção, ela se foi. – Droga. – Praguejo baixo.

Saltando para o chão percebo a sorte que tive. Se não houvesse me alimentado a pouco de um lobo, ela teria sentido o meu cheiro, todos eles teriam. Com certeza eles eram Licantropos, também conhecidos entre os eruditos da sociedade mortal como Garou, aqueles que recebem sua condição como um presente e não como uma maldição.

Caminho pela trilha que deixaram, o que é revelador. Há marcas no chão. Eram seis, sem contar a garota, e ela corrida com os pés descalços. Mas o odor que deixaram, leve, porém distinto, é o que mais me intriga. Eu estava certo, eram lupinos. A alcatéia parecia estar caçando, há marcas de sangue pelo caminho, talvez um deles estivesse ferido. Subitamente meus pensamentos vão para a garota e uma angústia profunda me atinge, talvez ela esteja ferida. Balanço a cabeça como que para espantar os pensamentos. – O que há comigo? Era só uma lupina. – Digo a mim mesmo. Meu pequeno amigo, um camundongo branco, se agita no bolso do casaco.

Depois de duas horas caminhando de volta, alcanço os limites da floresta, os limites impostos pelos homens. Nesse ponto paro e contemplo a cidade aos meus pés, onde me sinto mais próximo do que eu fora um dia. Sorrio observando as luzes acesas, o majestoso Neo Plaza, rasgando o céu no centro da cidade, rompendo a cortina de nuvens que protege gente como eu. Mais além é possível ver as docas, do outro lado da cidade, a principal rota de comércio que abastece o lugar.

Começo a descer a encosta íngreme onde me encontro em direção ao interior de uma pedreira. Salto para o chão, meu casaco lembra as asas de um pássaro negro mergulhando. A altura não é um grande problema. Alguns cães latem e escuto o tilintar de suas correntes junto aos portões. Vejo uma velha cabine de vigia com uma lâmpada acesa, mas o vigia parece ter sido vencido pelo frio, consigo vê-lo encolhido em baixo de um cobertor, usando uma touca de lã, sentado, ouvindo um pequeno e velho rádio. Nem o latido dos cães o separa do aconchego da cabine, de qualquer maneira ele só tem pedras para guardar.

Corro alguns metros, apenas para pegar impulso, e salto sobre a grade da pedreira. É fácil escalar o alambrado e me atirar por sobre os arames farpados. Em segundos estou caminhando pela rua. Fecho o meu sobretudo, levanto a gola, e esfrego as mãos em frente ao rosto como quem está com frio.

Ao virar da primeira esquina me deparo com um bando de vagabundos tentando se aquecer em uma fogueira improvisada em um velho tambor de ferro. Eles são inofensivos, e me ignoram, assim como eu a eles. Passos chamam minha atenção, três jovens com casacos pesados, gorros e luvas vem atravessando a rua, no peito de um deles, reluz sobre a claridade do poste um medalhão de ouro com a letra “G”. Não significa nada para mim. Ele veste um casaco azul que se abre quando ele corre até a minha frente estendendo a mão.

– Ô, ô, ô, ô. Calminha ai! – Fala o rapaz a minha frente enquanto os outros se aproximam pela minha direita. Um dos jovens, branco e magro como um faquir, pára ao meu lado segurando a gola do sobretudo.

– Que beleza de casaco, tio. Material de qualidade. – Fala com um ar de ladrão barato, daqueles que roubam bolsas de senhoras idosas. Odeio essa gente.

– Você não sabe que é muito perigoso andar sozinho a essa hora da noite, irmão. Você pode topar com alguém ruim. - O terceiro, um negro forte com um brinco de ouro na orelha esquerda, se aproxima por trás tentando fazer uma voz ameaçadora.

Eles me forçam a entrar em um beco, os únicos que sabem o que está acontecendo são os vagabundos, mas eles não vão se intrometer, com certeza estão felizes por não ser com eles.

– Vai tirando o casaco, pessoa. – Fala o que parece ser o líder, com aquele medalhão dourado sempre balançando. Ele fala fazendo gestos amplos com os braços. Eu fico parado.

– Tá surdo, ô esquisito? Tira o casaco ou você vai saber o que é medo de verdade, irmão! – O negro esbraveja aproximando o rosto do meu ouvido. Eu não resisto à tentação. Respondo com um sorriso escapando dos lábios.

– Eu sou a coisa mais apavorante por aqui, moleque. – As palavras saem arrastadas entre meus caninos, ao mesmo tempo em que meus olhos brilham em tom vermelho sangue. Eu me delicio com o olhar aterrorizado dos três.

O primeiro a morrer é o negro, por um motivo óbvio: ele está mais próximo. Agarro o pescoço dele e com uma mão a vida se vai, junto ao som de ossos quebrando. Os outros dois se afastam, eles não fogem, ainda não entenderam o perigo que correm. O magricela dispara pelo beco, ele entendeu. Em um piscar de olhos já estou parado na frente dele. Ele bate contra o meu corpo e cai no chão. Piso em seu pescoço. Mais um estalo, mais um pescoço quebrado. O líder do grupo se aproxima, ele tenta passar correndo, mas o som da corrente do medalhão o denuncia, eu o agarro pelo braço. O rapaz se desvencilha sacando um canivete, mas continua preso no beco.

– Quem é você? – Ele grita. - O que é você? – Ele já está perdendo a razão. Felizmente, agora o vento está forte e começa a nevar, ninguém irá nos ouvir.

Eu me aproximo, e ele recua, o pavor é evidente. O medo é como um perfume excitante.

– Você sabe o que eu sou, moleque. – Respondo com um sussurro, mesmo sabendo que a pergunta é retórica. O rapaz tropeça nos próprios pés e, mesmo caído, continua a me apontar o canivete. Eu seguro a mão do canivete, torço e giro o pulso, a arma cai no chão que começa a se cobrir de neve. Agarro o medalhão e pergunto olhando em seus olhos.

– “G”? O que significa? – O rapaz tenta articular algumas palavras, mas eu só ouço um balbuciar sem sentido. Solto a mão e o levanto pelo pesado casaco azul, trazendo-o para bem perto de mim. Ele tenta afastar o rosto, mas me olha direto nos olhos. – Você quer viver, moleque? – Pergunto sussurrando entre os caninos. O rapaz não responde, apenas arregala os olhos. Ninguém pode dizer que eu não lhe dei uma opção.

Saio do beco girando o medalhão em uma das mãos. Volto a caminhar pela rua. Os vagabundos me observam a distância, eles com certeza não ouviram nada, mas sabem que aconteceu algo ruim. Antes que eu vire a esquina um deles vai até o beco e sai com o casaco azul, a noite será menos fria para alguns.

Guardo o medalhão no bolso assim que entro na rua seguinte, dou uma boa olhada a frente apenas para constatar que a expressão, “À noite a cidade dorme”, não se aplica aqui. Muitos bares, ao melhor estilo inglês estão abertos, a maioria sobre o regime de: “Até o último cliente”.

Ajeito a gola do casaco e enterro as mãos nos bolsos, enquanto avanço rua abaixo. A maioria dos pubs é bastante comum, janelas grandes ou pequenas, estão sempre abarrotados de pessoas, vítimas em potencial, para mim ou para qualquer outro. O que realmente me interessa são os bares que tem a entrada abaixo do nível da rua. È neles que a realidade parece alcançar o máximo de seu significado. São locais, digamos, mais seletos.

Lembro-me da lupina. Percebo que estou parado de pé na rua, olhando para os bares e sorrindo sozinho, feito um bobo. Uma prostituta gorda está no meu campo de visão, a coitada sorri pra mim achando que estou dando confiança pra ela. Balanço a cabeça tentando espantar a bizarra imagem que me vem à mente. Volto a andar pensando que o inferno pode estar mais próximo do que parece.

Ao longo do caminho passo por muitas vielas, as ruas por aqui são repletas delas. O pior das vielas é que quase sempre tem um filete de água podre correndo por elas, vindo sabe-se lá de onde. As malditas ruelas formam um verdadeiro ninho de rato no mapa da cidade, daí o bairro ser chamado de “Cidade dos Ratos”. A cidade, à noite, pode ser perigosa, uns lugares mais do que outros.

Passo por um cruzamento, os sinais de trânsito estão piscando no amarelo. Ao longe posso ouvir o som de um ônibus se afastando. – Merda. – Praguejo baixo. Vou ter que continuar a pé por mais três quadras. Do outro lado do cruzamento uma figura, enrolada em um sobretudo marrom gasto, está recostada a parede de um velho cinema, daqueles que usavam rolos de fita. O nome do lugar é Cine Néon, o letreiro ainda brilha.

Algumas pessoas estão caminhando pela outra calçada, indo em direção ao centro da cidade. A noite está acabando para alguns e só começando para outros. O homem do sobretudo me observa da penumbra. Fico tentado a ignorá-lo, mas ele gesticula para que eu me aproxime, enquanto tenta acender um cigarro. Assim que chego o reconheço e ele se apruma, oferecendo o maço de cigarros.

– Você sabe que eu não fumo, Vic. – Falo sem mostrar o quanto este encontro está me irritando. Ele dá um trago no cigarro com tanta vontade, que posso ver o filtro queimar até a metade. Logo em seguida ele tem um acesso de tosse.

– Isso ainda vai te matar, meu velho. – Falo fingindo preocupação. É bom ser visto com bons olhos por esses tipos.

– Dra... ine. – Ele tenta falar o meu nome, entrecortado pela tosse. A essa altura a minha preocupação começa a se tornar genuína. É melhor ter um Guardião velho ao seu lado do que um novo pegando no seu pé.

– Droga. – Pragueja ele. – Provavelmente você deve ter razão... – Toma fôlego. – ...isso ainda vai me matar. – Sorrio.

– O que você quer, Vic?
– Você sumiu um tempão...

– E você quer saber onde fui e o que estive fazendo, não é? – Corto o sermão.

O velho sorri e dá mais um trago, desta vez mais comedido.

– Se eu precisasse perguntar tudo isso, eu não seria “o que” sou. – Ele responde sério, cerrando os olhos. Odeio esse cara. Mas o velho tem razão. Não é a toa que ele é o mais antigo na ativa.

– Achou o que procurava na floresta?

– Você é o Guardião. Não sabe? – Respondo em tom de brincadeira, por mais irritante que seja ter que ficar parado na rua conversando com o velho. Eu não gosto do tipo dele, e não gosto dele, mas principalmente, eu o respeito. Sorrio com todo o meu cinismo.

– Vejo que voltou satisfeito. – Ele sorri e se vira para ir embora. Na mesma hora vejo outro homem encostado em um carro antigo, na esquina para onde o velho se dirige.

– Parceiro novo, Vic? – Pergunto descrente. – Você, com um parceiro?

O homem pára e se vira para mim com um leve sorriso nos lábios. – Você sabe como é, Draine. Ao contrário de você, eu não posso viver para sempre. – Ele volta a caminhar.

Eu não preciso de mais nenhuma palavra, não é um parceiro. Ele está treinando um substituto.

O novato abre a porta para Vic. Victorio Relione. Eu me espanto de lembrar o verdadeiro nome do Guardião, e mais ainda de achar que sentirei falta do velho irritante.

Antes de entrar e tomar o volante, o novato me observa por alguns segundos, parece estar surpreso, como se visse um de “nós” pela primeira vez. Apenas por curiosidade eu sorrio com os caninos a mostra, mesmo sabendo que Vic não vai aprovar essa quebra de conduta, especialmente em um lugar tão aberto. O rapaz tenta evitar, mas arregala os olhos, e se recompõe em seguida. Ele entra no Chevrolet 56 que Vic tem desde que o conheci, a cerca de cinqüenta anos. O carro passa por mim, na direção em que eu seguia e Vic acena pra mim.

– Velho desgraçado, sabia que eu estava indo naquela direção. – Sorrio. Definitivamente eu vou sentir falta desse maldito.

Continuo andando, deixando a Cidade dos Ratos para trás e chegando ao bairro antigo. Não tão decadente como o bairro vizinho, apesar de ter as suas semelhanças, o bairro antigo é mais “habitável”. As construções são baixas, em geral não possuem mais do que cinco andares, em sua maioria são casas em estilo colonial.

Um casal e uma menina com uns seis anos passam por mim, vindos da “Cidade dos Ratos”. A menina está com um casaco e um gorro cor de rosa que teima em cair na frente dos olhos. Ela olha para mim e sorri estendendo um caderno de pintura. A mãe, que usa um piercing no nariz com uma corrente pendurada, puxa o braço da menina e a repreende por falar com estranhos. Como se ela mesma fosse uma pessoa comum e vivesse em um lugar como outro qualquer. A sociedade humana é mesmo hipócrita.

Passo por algumas lojas, a esta hora as vitrines estão protegidas por grades e portas de metal. Na esquina já consigo ver o Café Rose, vinte e quatro horas aberto e sempre pronto a oferecer uma refeição quente. Aceno para a garçonete, Danielle. Ela retribui com um sorriso e cintilantes olhos verdes. Noites atrás a salvei de uns pervertidos, desde então ela é parte da lista. Gosto da menina, ela é cheia de vida e está disposta a retribuir de forma incondicional a ajuda. Uma mão lava a outra, é o que dizem.

Uma placa enferrujada indica: Colona. Já havia esquecido o nome do bairro, de tão pouco que é usado. Uma das últimas lembranças daqueles que descobriram a área da cidade séculos atrás. Sigo pela rua principal, em direção ao centro da cidade. Esta é única rua bem pavimentada e conservada do bairro. Por aqui passam os carros fortes que abastecem o banco local e as lojas da vizinhança. O progresso tem que continuar.

A única maldição neste bairro é o descaso, os postes estão falhando ou estão simplesmente queimados, a noite não há segurança de verdade e a população de rua se multiplica como gafanhotos. Sorrio. É o lugar perfeito para alguém como eu.

Alguns carros passam por mim e um dos desgraçados acerta a única e pequena poça que existe na rua, o que me vale um banho de sujeira. Balanço os braços como se fosse possível secar o casaco. Mickey pula para fora do bolso completamente ensopado. O danado dispara pela rua em direção ao antiquário, que já é visível na esquina a frente, bem, ao menos a tabuleta de madeira. Está escrito em letras antigas: “Antiquarium. Se você procura, nós temos”.

Do outro lado da rua ainda existe uma praça com um velho coreto. Muitos bancos estão espalhados ao redor, onde vejo alguns casais namorando e até um pipoqueiro desafiando o frio. As pessoas têm que ganhar a vida.

Logo me vem à mente a imagem da lupina e a lembrança de como ela era linda. Aqueles cabelos negros balançando livres ao vento, contrastando com a pele clara...

– Outra vez. – Me repreendo ao perceber que estou parado no meio da rua sorrindo como um bobo. – Por que ela me fascina tanto?

– Eu não sei, talvez seja o cabelo comprido. – Concordo com a cabeça. Só então percebo que tem alguém falando comigo. Pelo canto dos olhos eu a fito. Uma menina com cerca de treze anos e um olhar sagaz. Ela ajeita o casaco cinza, quase preto, do qual ia saindo um lenço vermelho, como se quisesse ficar mais apresentável. A menina sorri para mim e estende uma cesta de palha cheia de flores.

– Talvez uma dessas possa ajudar. – Ela me oferece uma rosa, olhando para uma mulher que passeia na praça a minha frente. Pego a rosa e ela rapidamente abre a mão com um sorriso angelical estampado no rosto. O mundo é mesmo dos espertos. Olho de cima a menina, o vento sopra e a franja vermelha que sai por baixo da boina vai pro lado. Coloco um dólar na mão da ruivinha que agradece com um polegar, e se vira desejando boa sorte. Antes de atravessar a rua ela ainda aconselha. – Ei, moço... um banho também ajudaria. – Engraçadinha. Ela para no meio da rua e corre de volta para mim.
– Eu sou Carla. – Ela pisca e se vira indo embora. Isso quer dizer que verei essa pestinha por aqui outras vezes.

Balanço mais uma vez os braços e volto a caminhar. A lâmpada do poste mais a frente está piscando, prestes a queimar e deixar o bairro um pouco mais escuro. Olho para o céu e só vejo as nuvens, nenhuma novidade. Paro diante da porta do Antiquário, pulo e bato com força na placa de madeira, ela balança, rangendo nas dobradiças. Pulo de novo e alcanço a chave deixada sobre ela. Abro a porta e percebo que há alguém me observando do outro lado da rua. O homem da às costas e se afasta, indo em direção ao centro da cidade.

– Vou ter que esconder a chave em outro lugar. – Digo a mim mesmo balançando a cabeça. Dou mais uma olhada em volta e, antes de entrar, respiro fundo. Estou em casa.

Por: Alessandro Dantas

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O Verdadeiro Desafio

Poucos prazeres se comparam a correr livremente pela floresta. Sentir o vento contra o meu corpo, a sensação das patas em contato com a terra, os aromas da floresta e o calor da fogueira que fizemos minutos atrás queimando em minha alma.

Por algum motivo, sinto como se Kida também estivesse aqui. Sinto falta de compartilhar esses momentos especiais com minha irmã mais velha. E pensar que eu estava receosa quanto a essa iniciação. Me lembro especificamente da nossa última conversa a respeito. Como eu questionava ela a respeito das tradições e como ela sabia como me fazer concordar mesmo não gostando da idéia. É uma memória que por algum motivo guardo com carinho especial.

– Kida, por que eu tenho que ir pra antiga casa de nossos pais? – Eu sei que já perguntei isso um milhão de vezes, mas Kida nunca me deu uma resposta satisfatória. Minha irmã pode ser a líder do Clã da Meia Lua, mas eu não tenho que me submeter a todas as suas vontades.

– Você sabe que é a tradição. Nós já tivemos essa conversa um milhão de vezes. – Parece que ao menos na contagem nós concordamos.

– Mas... – Tento protestar, mas ela me lança aquele olhar severo de irmã mais velha que age como mãe. Não sei por que eu ainda tento, ela sempre ganha. Kida sempre cuida de mim, é difícil ficar contra ela.

– Você sabe que esse é o nosso costume. É assim que honramos os nossos antepassados. – Tento abrir a boca e ela levanta um dedo. – Sempre que um membro de nosso Clã chega à maioridade ele deve voltar as suas origens. Está decidido, você vai. - Respiro fundo enquanto Kida se levanta com um sorriso, daqueles que faz parecer que nunca houve uma discussão, e sai.

Nunca imaginei que essa seria uma lembrança tão gostosa. Quando volto ao meu presente não faço mais idéia de onde o grande lobo cinzento que me acompanhava está. Droga, perdi ele de vista, com essa eu não contava. Não é como se eu pudesse simplesmente farejar e rastrear um ancião. Acho que só o que me resta então é aproveitar o resto do passeio.

Durante o passeio, percebo que não estou mais apenas vagando pela floresta. Alguém está me seguindo e algo me diz que não é o ancião. Eu definitivamente me recuso a ser caçada no meu próprio ritual de passagem. Seja quem for, vai aprender a não se meter com a princesa dos lupinos!

Se esse espertinho acha que vou ser uma presa fácil, ele veio atrás da lupina errada. Agora que sei que estou sendo caçada, ele vai ter que se mostrar pra me pegar e ai veremos quem sai vitorioso. Com meu caminho trilhado com cuidado, dou algumas voltas para confundir o caçador quanto ao meu destino e evitar uma armadilha e finalmente elaboro a minha própria. Sem qualquer aviso, eu disparo em direção antiga cachoeira que deságua no riacho perto da cabana da minha família. É um lugar bem iluminado pelas estrelas e onde eu tenho como combater em solo familiar.

O caçador é bom, tenho que admitir isso, pois, mesmo com meus desvios e corridas, ele está sempre próximo. Se eu achasse que há mais de um deles jamais iria até a cachoeira, seria fácil ficar encurralada, mas seremos apenas eu e ele, pretendo lutar até que um de nós dois caia. A princesa não vai fugir de seu primeiro combate como adulta. Tenho que tomar cuidado pra que essa coisa de princesa não acabe me subindo a cabeça.

A cachoeira sempre me acalma. Perto dela parece que não há nada de errado no mundo. Em dias normais, o som da água caindo e os aromas da floresta se misturam e fazem com que seja impossível pensar em qualquer outra coisa, mas hoje não é um dia normal.

Ao me aproximar do lago onde tantas vezes já me banhei, nem mesmo um momento de paz me é concedido. Quando me aproximo da água esperando ver o brilho do meu próprio pelo, o que eu vejo é uma das ultimas coisas que eu queria ver hoje: os olhos amarelos e furiosos de Wolfgart me encaram e o pelo negro dele brilha ao se eriçar. Dou um pequeno salto para trás, me preparando para o duelo. Mesmo não querendo ver Wolfgart, se ele veio até aqui pra atrapalhar a minha passagem, então é a oportunidade perfeita pra eu colocá-lo de volta no seu lugar.

Mesmo Wolfgart sendo muito mais velho, ele sabe que eu também sou uma guerreira, justamente por isso ele não me subestima. Ficamos nos rondando por algum tempo antes que a dança comece. O tamanho dele é assustador, ele é um dos poucos com uma forma lupina maior do que a de Kida, mas, como nós dois sabemos, tamanho e força não são o bastante para vencer um duelo de predadores. Como ele é mais forte, espero que ele ataque primeiro. Minha vantagem está em deixar ele pensar que estou com medo.

O ataque vem assim como esperado, a força devastadora do lobo negro se jogando sobre mim e tentando me derrubar para morder minha jugular. Esse maldito não está de brincadeira. Deixo que ele me derrube, mas no momento em que a vitória lampeja nos olhos dele eu faço o meu movimento: minhas duas patas traseiras se apóiam na barriga dele, quando ele prepara a mordida fatal, eu avanço e são as minhas presas que encontram a jugular dele. Sabendo que não conseguiria mantê-lo sob meu domínio por muito tempo, eu uso as patas traseiras em sua barriga para me darem impulso e deslizar para longe dele e ainda conseguir um mais uns arranhões de bônus em seu ventre.

A fúria domina o corpo do lupino negro que avança ferozmente contra mim. Ele lança diversos ataques com as patas e com a mandíbula, mas a minha velocidade é bastante superior a dele, ao menos no que diz respeito a esquivar, não consigo uma brecha para um contra-ataque direto e se uma das mordidas dele me acertar será o meu fim. Preciso de um plano rápido, pois o ferimento no pescoço dele não foi fundo o bastante para fazer com que ele pare tão facilmente.

Os ataques continuam de forma frenética e a dança nos leva de volta a beira da cachoeira e é ai que o meu plano finalmente fica pronto. Me aproveito de minha velocidade superior para tomar um pouco de distancia dele, ficando no limite onde a água permite que eu ainda me movimente bem. Quando ele salta em minha direção, eu sei exatamente o que fazer, a forma negra se aproxima por cima, mas não rápida o bastante para impedir a minha transformação de volta para a forma humana. Meu corpo, ainda encantado com a força e a destreza lupina que rapidamente abandonam a minha forma humana, encontra o seu caminho para desviar do salto e montar nas costas do lobo negro cravando minhas unhas na ferida que consegui fazer com os caninos. O urro selvagem desesperado invade a noite e eu sinto o enorme corpo negro do lobo tremer até seu ultimo suspiro.

Minha respiração rápida combina pouco com o sorriso vitorioso nos meus lábios. Finalmente minha família está livre dessa praga. Desde que nosso irmão, Kael “O Lobo Vermelho”, desapareceu em uma batalha contra os vampiros. Kida, por ser a mais velha das filhas de nosso pai, herdou a liderança do Clã. Para não perder essa liderança, Kida aceitou Wolfgart como seu consorte, mas não como seu marido, o que significa que ele é o terceiro no comando, logo depois de mim. A minha maioridade e a idéia absurda de que em breve terei um casamento (sendo que eu nem mesmo namorado tenho!) seria um golpe terrível para Wolfgart, pois o meu marido (isso soa mais ridículo cada vez que essa palavra aparece) poderia assumir a liderança do Clã em um ano, caso Kida não se casasse segundo as nossas leis. Mas o importante é que agora ele não é mais uma ameaça. Nós finalmente estamos livres.

Meu sorriso triunfante não dura muito e se transforma em pura surpresa quando a luz da transformação ilumina o corpo de pelos negros que estava inerte aos meus pés. Dou um passo para trás assustada e a surpresa se torna pavor quando a luz revela que o lobo negro era na verdade Kida. Eu simplesmente não posso acreditar, é impossível! Aquele era Wolfgart, tinha que ser ele! Eu conheço o cheiro de Kida, os dois não se parecem em nada. Eu não posso acreditar que matei minha própria irmã, eu não posso ser esse monstro. Minhas pernas de repente não possuem mais forças para me sustentar e eu caio em prantos sobre o corpo dela e mesmo sendo impossível é ela quem está ali. Eu acaricio seu cabelo enquanto as lagrimas e os soluços desesperados tomam conta de mim.

Sem que eu tenha tempo de entender como ou porque, Kida tosse um pouco de sangue e seus olhos tristes encontram os meus. Não sei dizer qual delas é a pior sensação, ver Kida morta aos meus pés, ou encarar o desprezo e a desaprovação naqueles olhos outrora tão cheios de vida. As palavras fracas dela são como facas em meu coração:

- Irmãzinha, você nos desgraçou. Com a minha morte o Clã ficará perdido. – Eu choro como um filhote, não há palavras para enfrentá-la, ainda mais agora. – Você não é forte ou esperta o bastante para liderá-los. – Mais uma golfada violenta de sangue. - Você deve entregar o controle do Clã a Wolfgart, agora ele é o único que pode nos salvar. - Ela só pode estar de sacanagem! No leito de morte ela vem repetir o discurso daquele imbecil de quando eu os ouvi falando sobre mim. Isso é inaceitável! Meus sentimentos se misturam. A raiva e a tristeza agora resumem tudo o que eu sou. – Você agora deve ir até ele e contar o que aconteceu aqui. Conte a Wolfgart como você me matou.

Meus olhos se fecham, meu corpo se torna rígido e os meus punhos se serram. Quando eu finalmente absorvo a ultima sentença, meus olhos se abrem sem qualquer tristeza restante, eles agora brilham apenas com a fúria de todos os lobos do Clã da Meia Lua. – Criatura imunda, não importa o quanto você se pareça com a minha irmã, ela nunca seria tão fraca a ponto de entregar o Clã para Wolfgart sem ao menos considerar alguém de seu próprio sangue. Eu sou a princesa dos Meia Lua e não há nada que você ou aquele verme ganancioso possam fazer quanto a isso. – Com minhas ultimas palavras eu afundo a cabeça daquela criatura que se passa pela minha irmã no lago e, com lagrimas contidas nos olhos, eu vejo o seu verdadeiro fim.

Alguns minutos se passam antes que eu possa me levantar. Quero ter certeza de que dessa vez ela está realmente morta. Quando finalmente me convenço de que não haverá outro golpe a ser desferido contra os meus sentimentos, eu olho para a lua e rezo para que os meus verdadeiros ancestrais olhem por mim. É hora de encontrar minha verdadeira irmã e saber o que diabos acabou de acontecer. Saindo da água eu retorno a minha forma lupina e corro de volta para a floresta.

Ao chegar de volta na cabana, o gigante de ébano está mais uma vez a minha espera sentado próximo à fogueira. Eu me aproximo e paro sobre as minhas roupas, onde volto à forma humana e me visto.

Ele nem ao menos me encara até que eu esteja sentada de frente para ele como quando começamos o ritual. Quando nossos olhos finalmente se encontram um calafrio percorre a minha espinha e posso jurar que o vi sorrir por um instante, isso me irrita. Será que ele acha alguma graça no que eu acabei de passar?

- Sua raiva é desnecessária, porém compreensível, princesa. – As palavras dele são calmas como se nada tivesse acontecido.

- Desnecessária? Você só pode estar brincando! – Talvez ele esteja calmo, mas antes que eu possa pensar com clareza meus sentimentos explodem em palavras furiosas. - Eu acabei de lutar com Wolfgart e de assassinar a minha irmã! Isso é loucura! O que está acontecendo aqui? O que eram eles realmente?

- Eu a aprovei no meu teste, mas os espíritos da Meia Lua precisavam testá-la também. Eu lhe dei a ilusão de que o teste estava terminado, pois é exatamente assim que o será o seu reinado. Quando pensar que um problema está resolvido outro maior irá surgir, não há tempo para descansar, não há uma pausa. Os seus inimigos estarão sempre prontos para tirar vantagem de qualquer fraqueza que você venha a demonstrar. Os espíritos fizeram com que o seu maior inimigo aparecesse para enfrentá-la. Você foi caçada e confrontada e ainda assim saiu vitoriosa, apenas para ver o seu maior medo se tornar realidade. Sua irmã morta pelas suas ações, o Clã caindo em desgraça, porque você não soube distinguir o verdadeiro inimigo, mas, mesmo assim, você superou o choque e conseguiu reverter a situação, desmascarando a farsa dos espíritos. O teste terminou de verdade quando você finalmente superou todos os desafios e se levantou de cabeça erguida.

- E por que Kida nunca me contou sobre esse teste? Por que não fui preparada para enfrentá-lo? – Pela primeira vez me sinto realmente abandonada, como se não houvesse mais ninguém cuidando de mim.

- Porque esse era o seu desafio e sua irmã não lhe faria bem algum lhe contando sobre ele, assim como você não deve contar às futuras gerações de governantes. O teste é o que os torna poderosos o bastante para liderar o Clã. – As palavras dele fazem sentido e eu me sinto um pouco infantil pelos meus sentimentos, mas mesmo assim não posso negar que eles existiram.

- O seu reinado ainda terá muitos outros testes onde nem todos os inimigos estarão ao seu alcance. Caberá a você decidir como lidar com cada novo desafio, foi para isso que nós a preparamos. – O gigante de ébano termina de falar e se levanta, eu instintivamente faço o mesmo.

- Espero que no nosso próximo encontro esteja mais receptiva a minha presença, princesa. – Apesar de toda a minha revolta, não consigo evitar um certo sentimento de gratidão pela lição dele e um rápido sorriso se forma no meu rosto.

- Eu só preciso de um bom banho, seguido de uma maravilhosa noite de sono e garanto que amanhã meu humor estará bem melhor. – Eu digo me espreguiçando.

A fogueira se apaga e a fumaça cobre o gigante de ébano que desaparece antes que a mesma tenha desaparecido por completo. Eu ainda fico ali por alguns minutos processando o que acabou de acontecer. Ainda não decidi como lidar com tudo isso, mas por hora vou apenas aceitar que finalmente acabou.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Voo da Liberdade

Camaro, Honda S2000, Skyline, Evolution, Road Runner, Charger, Bandit, Mustang, Gran Torino, Chevelle, BMW, Cayman, Lamborghini Diablo, Impala, Civic, Eclipse, Corvette, Ferrari, Focus, GT, Jetta, Lotus, Audi TT, Romeo, Aston Martin, Bentley Azure, Cadillac, Daytona, T-Bird, Infiniti, Jaguar, Lexus, Mercury, Mustang, Cobra, Porsche, Supra…

Cada um deles modificado com mais de cento e vinte mil dólares embaixo do capo. Fora os tanques de NOS escondidos e as parafernálias usadas para modificar a aparência. Absolutamente nenhuma dessas cascas é mais o que aparenta. E só há um modo de descobrir do que cada uma é capaz hoje, correndo contra elas e seus pilotos. Ver um Civic correndo mais do que uma Ferrari é algo teoricamente possível apenas na imaginação da maioria das pessoas que acham que entendem sobre carros. Aqui a coisa é diferente, aqui um Civic com o mecânico certo, o motorista certo e cem mil dólares pode fazer qualquer Ferrari não modificada comer poeira.

Os mais antigos aqui já me conhecem, sou o dono do Dodge Viper que é capaz de voar na pista. Chegar à rua escolhida pra corrida sempre faz eu me sentir como se estivesse sendo sugado para dentro de um maldito clipe de Hip-Hop. Inúmeros carros tunados que provavelmente só estão ai de enfeite, mulheres e mais mulheres rebolando com roupas tão curtas e vulgares que não sei nem por que ainda se importam em usá-las, música alta e um bando de caras de todos os tipos, dos ratos de academia aos magrelos metidos a malandro, encarando uns aos outros e falando sobre altas quantias de dinheiro. Estou em casa.

Estando por aqui é quase como se eu fosse parte da colméia. Vejo todos como abelhas envolta da grande rainha. Uma rainha que, por sinal, eu conheço muito bem, afinal, ela é quase como a filha que nunca tive. Apesar de sua baixa estatura, seus longos cabelos ruivos a destacam na multidão ao seu redor. Alex realmente tem o porte de uma rainha.

Lembro-me de quando a conheci, uma pequena criança nas ruas sendo atacada por um obsessor. Ou assim eu pensei naquele momento. Quando me aproximei para exorcizar o infeliz percebi que a verdade era terrivelmente diferente. Na verdade era Alex quem estava no controle, ela estava judiando do espírito como se o mesmo fosse apenas um cão doente e abandonado. E o mais impressionante é que ela não fazia idéia disso. Do seu ponto de vista ela acredtava que estava apenas brigando com um amiguinho que comeu o seu doce.

Nas ruas de Los Angeles uma menina com cerca de dez anos suja e falando sozinha por ai realmente não é algo com que a maior parte das pessoas se importe. Bom, por sorte dela, eu não sou como a maioria das pessoas. Então, eu a acolhi e lhe ensinei o que era o mundo com o qual ela lida. Alex sempre foi proativa. Sempre foi bastante diferente de mim em certos pontos, o que facilitou muito a nossa convivência. Ela se especializou naquilo em que eu não podia fazer. Ao invés de apenas aprender o que eu tinha pra ensinar, a gratidão dela fez com que Alex decidisse aprender aquilo que eu não sabia fazer. Assim sendo, ela se tornou uma grande líder, o que eu posso dizer, a menina é ótima em ser o centro das atenções. Por isso quando lhe apresentei o mundo das corridas de ruas e ela se identificou com os carros modificados e o tipo de pessoas que geralmente são responsáveis por eles, bem, foi apenas natural que todo esse mundo passasse a girar em torno dela.

As pessoas não sabem do nosso relacionamento intimo, sabem apenas que trabalhamos juntos quando é necessário. Pobres coitados, nunca viram o que Alex realmente é capaz de fazer. E em nosso favor, mantê-la por aqui faz com que sua energia fique escondida de Jarael. A última coisa de que ela precisa é daquele anjo pentelho se metendo na vida dela.

Quando me aproximo dela a corrida já está praticamente pronta, apenas duas vagas restam. Ao me reconhecer, seus olhos verdes brilham pra mim. Ela sabe que uma das vagas é minha e sabe que após a corrida eu vou precisar dizer algo importante a ela.

Comprimento alguns conhecidos e posiciono meu carro na pista. É hora do show.

Para alguns a largada é o momento mais importante da corrida, os primeiros segundos que definem quem terá a maior vantagem e quem tem o maior poder pra demonstrar na pista. Eu chamo pessoas assim de amadores. Um verdadeiro corredor sabe que o que importa não é posição em que você larga, mas a posição em que você cruza a linha de chegada.

A minha direita um Lexus prateado, à esquerda a vaga do ultimo corredor e por ultimo o Jetta azul marinho. Não reconheço os pilotos, mas não faz diferença. Todos estamos aqui com o mesmo propósito e focados no mesmo objetivo, ou assim eu pensava até o ultimo carro chegar. O jaguar vermelho de Alex para bem ao meu lado. O que diabos estará acontecendo?

O vidro do carro dela se abaixa, nossos olhares se encontram e ela me lança um sorriso divertido, após me mandar um beijo, para, em seguida, fechar a janela novamente. É o nosso código algo está muito errado por aqui.

A corrida começa e os problemas desaparecem. Mesmo que o mundo esteja prestes a desmoronar, nesses poucos segundos até o fim da pista, eu realmente não me importo com mais nada. Os pneus cantam e o jaguar vermelho de Alex sai na frente, colado com o Lexus prateado. Eu saio em terceiro e o motor do Jetta não permite que o carro saia do lugar, algum mecânico certamente vai estar com a cabeça a prêmio antes do fim da corrida.

O piloto do Lexus é bom, mas Alex é melhor. Ela o provoca na pista, deixa que ele quase a ultrapasse, apenas pra sentir o gostinho da primeira posição, até que, quando ele começa a se sentir confiante, ela volta a liderar. A provocação funciona e o Lexus ativa os tanques de NÓS bem antes da hora. Idiota amador. O Lexus dispara na frente e eu quase posso ver o sorriso se formando nos lábios de Alex. Poucos instantes depois, é a vez dela de ligar os tanques e a corrida chegar ao fim, ela parece um raio passando ao lado da pequena mancha prateada. Eu a sigo de perto apenas pra não deixar o espertinho se engraçar comigo depois. A vitória aqui não é o mais importante pra mim, eu sou apenas uma figura popular, ela é a rainha e como tal ela precisa se manter invicta, então me asseguro que continue assim.

Nossa corrida chega ao fim e assistimos a mais três corridas em pontos diferentes da cidade como se tudo estivesse ocorrendo exatamente como o planejado e não tivéssemos nada para discutir. Ao fim da noite seguimos em direções opostas, vagamos um pouco pela cidade para despistar eventuais seguidores indesejados e depois nos encontramos no penúltimo andar de um estacionamento público no centro da cidade.

Ela me espera sentada no capo do jaguar, o casaco de couro protege sua pele clara contra o frio da noite e a perna levantada para apoiar o queixo no joelho faz com que ela ainda pareça uma menina aos meus olhos. Me aproximo já esperando pelas milhões de reclamações por não ter corrido serio contra ela e etc... Mas ao invés disso ela apenas me encara séria, seja o que for, algo me diz que eu não vou gostar

- Já faz tempo desde a última vez que você apareceu nas corridas. - O tom apreensivo dela sugere que toda a calma que seu rosto apresenta não passa de uma mascara pra não me deixar preocupado – Um homem veio procurar por você duas noites atrás. – Não escondo a surpresa que a idéia me causa. Ninguém deveria saber que Alex tem facilidade para me encontrar.

- Eu estive ocupado. Quem era esse homem? – Mesmo sabendo que era isso que eu iria perguntar ela espera que eu verbalize a pergunta apenas para ter certeza de que minha voz não possui nenhuma alteração sobrenatural.

- Ele não me deu um nome, disse apenas que precisava entrar em contato com você a respeito de um negócio pendente. Algo que você tirou dele a mando de alguém e ele quer de volta.

- Se eu ganhasse uma moeda por cada pessoa que cabe nessa descrição estaríamos longe daqui, vivendo em um palácio e não teríamos que conversar nesse lugar fedorento sempre que algo importante acontece. – Meus comentários ainda conseguem faze-la sorrir, nem tudo está perdido.

- Ele vestia uma capa de chuva, um chapéu de aba e andava apoiado em uma bengala que mais parecia um bastão. E algo na sua voz não estava certo, ele soava velho de mais para a aparência jovem que tinha.

- E quanto aos olhos, alguma particularidade? – Pergunto rezando que ela diga que não.

Alguns instantes se passam até que ela se recorde. Os olhos dela parecem me estudar como se ela estivesse procurando a resposta no meu semblante e quando penso que ela vai ficar sem dizer nada vem a resposta:

- Não. Não notei nada de estranho. – Depois de tantos anos ela ainda acha que eu não sei quando ela está mentindo. Droga, eu é que tenho que protege-la dessas pragas infernais e não o contrario.

Meus olhos se fecham por um momento. É doloroso pra mim ter que confronta-la dessa forma. Mas não posso deixar que ela se envolva ainda mais nisso por mim.

- Então, é isso. Você agora esconde as coisas de mim. Vai esconder também a carta que ele lhe entregou?

Ela fica boquiaberta. Por incrível que pareça, ela de fato achou que conseguiria me enganar. Mas em segundos a surpresa é deixada de lado e a indignação toma conta dela.

- Você acha o que? Que vou simplesmente deixar que você fique se metendo em encrenca por ai sem fazer nada? Se esse negociador de almas me procurou ele é problema meu, eu vou lidar com ele. Você já tem problemas o bastante.

Deixo que ela ponha pra fora. Sei o quanto é frustrante ficar de fora da ação. Mas mesmo assim ela não vai arriscar a vida por mim, especialmente com um negociante de almas. – Me entregue a carta, Alex.

Ela me encara com firmeza. Não é mais aquela menina que podia apenas mandar pra casa e ficar fora de problemas.

- Você tem duas opções: ou eu te entrego essa maldita carta e você me deixa ir junto com você e entramos nessa juntos ou eu posso simplesmente usar a carta eu mesma e localizar esse cara sozinha. O que não vai acontecer é eu esperar ele vir me procurar outra vez, se ele me achou uma vez pode fazer de novo, dessa vez eu é que vou levar a briga até ele, não vou esperar ele me pegar de surpresa de novo.

Não posso negar a menina me deixa orgulhoso. Ela agora consegue ostentar ao mesmo tempo a doçura da menina inocente que eu treinei e o porte da rainha das pistas que todos respeitam.

- Me encontre amanhã ao por do sol próximo ao café da galeria no seu bairro. Veremos se você está mesmo pronta.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Pesquisa Espiritual

Minha cabeça dói. Detesto acordar com enxaqueca. Mas é sempre assim depois de uma noite de sonhos que mais parecem memórias de outras pessoas. Eu sei que já passei por isso inúmeras vezes, mas acho que ainda assim ainda não estou pronta pra dizer que me acostumei. Talvez eu nunca esteja.

Mais um dia que começa sem respostas. Estou ficando cansada de procurar pelo tal Jarael e sempre me deparar com um grande vazio. Talvez eu esteja olhando nos livros e sites errados. Não sei. Só sei que estou ficando cansada de não ter pistas. E como se não me bastasse isso, a mensagem que me levou a procurá-lo desapareceu do meu caderno, cheguei até mesmo a pensar que eu tivesse imaginado a coisa toda, mas as lembranças são vivas de mais, mesmo que seja um sonho, estou certa de que quer dizer alguma coisa.

Tomar um bom banho sempre é a melhor forma de começar o dia, ou ao menos é o primeiro passo. O segundo é ir até a cafeteria da universidade e pegar um bom café com bastante açúcar. Ainda morro disso.

Uma vez de posse do meu café, decido me sentar a uma das mesas da cafeteria e abrir o notebook pra começar a pesquisa do dia. Revejo todas as minhas páginas e páginas de anotações antigas e começo a pensar sobre o que escrever a seguir. Fichar outro livro de ocultismo não é mais o que eu posso chamar de “estudo teórico”, está mais para tentativa de “suicídio através do tédio” ou “sacrifício ritual de horas de trabalho”. De qualquer forma eu não tenho escolha, por mais que poucos dos livros aos quais eu tenho acesso ainda tenham algo de bom a me dizer, eu dificilmente vou aceitar a idéia de que isso é realmente necessário para fixar o conhecimento na minha mente, mas ainda assim é melhor do que resenhar os livros ou textos da faculdade, apesar de eu já conhecer o conteúdo, o tema ao menos é interessante.

Hora de parar de reclamar e trabalhar. Passo algumas horas fichando o livro, o café começa a perder o efeito, minhas pálpebras ficam pesadas, sempre que tenho aqueles sonhos fico cansada o dia todo, parece que vou pegar no sono a qualquer minuto. Acho que isso é parte da causa do meu mau humor. Arrisco até mesmo dizer que cheguei a dar uma ou duas piscadas em frente ao computador. Espero que nenhum desses desavisados metidos a esperto tenham reparado.

Quando finalmente terminei o quinto capítulo do livro e joguei a cabeça pra trás para relaxar por alguns instantes, posso dizer que o meu mundo literalmente foi jogado de pernas pro ar. Eu apenas estiquei o pescoço e joguei a cabeça para trás, mas o que senti foi o meu corpo inteiro caindo e quando abri os olhos eu estava caída de costas numa planície. Um lugar até bastante bonito, mas ainda assim muito longe de ter qualquer coisa a ver com a cafeteria do campus. Olho em volta e não vejo nenhum sinal de como cheguei até ali, nem mesmo pegadas. O que raios estará acontecendo?

A resposta vem como um raio:

- Acho que a frase: “Não estamos mais no Kansas”, cai bem no momento, não? – A voz masculina vem de alguém parado alguns passos atrás de mim.

Seja lá quem for, é melhor eu dar logo uma boa olhada nele, exitar agora realmente não me parece uma boa idéia. O sol está logo atrás dele, droga, não consigo ver muito além de sua jaqueta de couro, a camisa branca de malha e a calça jeans com uma corrente prateada pendurada. Ele não me parece muito alto ou muito forte, um metro e setenta e cinco talvez, mas o rosto se mantém um mistério. Ponho a mão por cima dos olhos para diminuir o efeito da luz e dou um passo em sua direção. Ele não me parece preocupado, meu caminhar não fez com que ele se afastasse.

Quando me aproximo o bastante para enxergar o seu rosto vejo que ele é jovem e absurdamente bonito, como uma daquelas estatuas gregas de gesso ou sei lá o que. O sorriso dele ao me ver é acolhedor, mas apesar disso paro de caminhar a uma distancia segura. Quando me preparo para falar um vento passa entre nós fazendo com que os cabelos encaracolados dele cubram seus olhos momentaneamente, os meus obviamente ficam completamente espalhados por toda parte, mas antes que possa fazer algo a respeito o vento pára tão de repente quanto começou e meus cabelos bizarramente voltam a estar arrumados, isso está começando a ficar esquisito de mais.

- “Alice no País das Maravilhas”, sério? Já sonhei com bruxos clichês antes, mas isso é meio exagerado, não acha? – Eu não poderia começar o dialogo de forma amigável, sem uma boa alfinetada não seria eu. Ao menos ele agora já sabe com quem está lidando.

Ele pisca por um momento parecendo um pouco constrangido e responde ainda sorrindo:

- Na verdade a citação é de “O Mágico de Oz”, mocinha. E eu não sou um bruxo. E você também não está sonhando. Tudo aqui é bastante real.

Desgraçado, eu nunca fui fã de histórias infantis mesmo, mas também não esperava que ele fosse. E isso não ajuda a me deixar de bom humor.

- Então, quem é você? Que lugar é esse? E como eu cheguei até aqui?

Ele estende a mão aberta em sinal para que eu pare de falar, seus movimentos são bastante elegantes e graciosos.

- Tudo a seu tempo, criança. Todas as suas perguntas serão respondidas no momento certo, não adianta me bombardear com elas. Sou apenas um anjo, não um oráculo.

A resposta me deixa em choque por alguns instantes. Um anjo! Ele definitivamente não se parece com a idéia que eu faço de um anjo. Qual será o jogo desse cara?

Imediatamente eu começo a analisar o ambiente em busca de algo que possa me dar forças para tentar combatê-lo. Ele parece se divertir com a cena.

- Não há necessidade de se preparar para um combate, se eu a quisesse mal não lhe submeteria a uma viagem astral até aqui.

Como ele sabe o que se passa na minha mente? Viagem astral, já cruzei com informações sobre isso em algumas fontes, mas nunca achei que pudesse ser feito de forma tão simples e sem um ritual apropriado.

Depois de analisar a situação por alguns instantes e constatar que de fato não há muito o que eu possa fazer, acabo concordando em participar do jogo dele.

- Digamos que eu acredite em você. O que um anjo poderia querer comigo?

- É de meu conhecimento que você tem estado em busca de informações sobre um de meus primos. O nome dele é Jarael, por que deseja encontrá-lo, criança?

Talvez isso seja mais real do que eu quero admitir. Ele sabe sobre Jarael, mas algo ainda está errado, eu definitivamente não gosto que joguem comigo.

- Primos? Anjos têm primos agora? Você parece bastante humano para mim.

Ao invés de me responder ele encara diretamente o sol com um sorriso no rosto. Qualquer humano normal teria no mínimo que cobrir os olhos, mas não ele. Ele faz isso naturalmente e parece ser prazeroso. È como se ele estivesse buscando a resposta no sol.

- Eu passo tempo de mais entre os humanos. – as palavras interrompem minha admiração e me pegam desprevenida. – Alguns acham que me tornei emotivo de mais e parecido de mais com vocês para poder voltar ao reino do Senhor. Mas eu ainda posso sentir a Sua graça e, ao meu ver, eu apenas aprendi a me assemelhar aos Seus filhos.

- E quanto a Jarael? Por que o chamou de primo? – Ele me pegou de guarda baixa uma vez, não vai acontecer de novo.

- Entenda, criança, os anjos não são todos iguais. Nós somos divididos em castas, cada uma com uma missão. Aqueles que pertencem à mesma casta referem-se uns aos outros como irmãos e aos que pertencem a outras castas como primos.

Por um segundo, a idéia me parece bastante plausível, mas antes que eu possa formular outra pergunta, ele indaga:

- Eu respondi as suas perguntas. Agora é a sua vez de retornar a gentileza e me dizer por que busca Jarael.

- Eu recebi uma mensagem, dizendo que ele me diria qual será... – antes que eu pudesse concluir a frase, uma serie bizarra de eventos se desenvolveu ao mesmo tempo: a expressão serena e sorridente do anjo se tornou seria, uma seriedade cruel e ameaçadora, ao mesmo tempo um forte vento frio e cortante soprou levantando as poucas folhas secas espalhadas pela planície e o céu foi encoberto por nuvens tempestuosas. Em poucos segundos o dia se tornou noite.

Antes mesmo que eu pudesse pensar em alguma reação, se é que eu de fato teria alguma, o anjo correu em minha direção dizendo ansiosamente:

- Fomos encontrados. Aqui não é mais seguro, voltarei a procurá-la quando for possível. Até lá, pare de chamar atenção!

- Mas eu... – Não houve tempo para que eu terminasse o meu protesto. Ele tocou minha testa com a ponta de dois dedos e eu estava de volta à cafeteria do campus, como se tudo tivesse sido apenas uma cochilada rápida que ninguém notou.

Somente uma pergunta grita na minha mente agora: “O que diabos foi tudo isso?”

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Preparativos


Winchester, calibre doze, cano duplo. Faca de prata benzida com as águas do rio Jordão e abençoada por um papa. Estaca de madeira esculpida por um apache. Colt Python com insígnias arcanas. Machado duplo utilizado para decapitar bruxas durante a inquisição. Pregos do caixão de pessoas consideradas impuras e pregadas ao caixão após sua morte na idade média. Corda utilizada para amarrar bruxas ao tronco durante a Inquisição. Orbe mágica abençoada por ciganos com dons divinatórios.

É. Já faz tempo desde que tive que visitar o baú de armas pela última vez. Tocar cada um desses acessórios e relembrar os diversos usos que fiz deles é, sem dúvida, uma experiência nostálgica. Se adicionarmos ainda o fato de Bianca estar ao meu lado novamente após tantos anos, bem, acho que posso dizer que por alguns instantes me sinto perdido no tempo.

- E então, já terminou de reviver o passado? Podemos voltar a falar da missão atual? - A voz dela vem como uma onda que me derruba de volta para a realidade. Chega de memórias, já é realmente hora de mudar as coisas, parar de me sentir um velho e começar a agir novamente.

Ainda sem encarar novamente os olhos de Bianca, eu me levanto e arrumo uma mala para juntar meu equipamento. Obviamente, não vou levar tudo, mas é difícil escolher o que levar e o que deixar para trás quando não sei exatamente o que estou indo enfrentar.

Acabo optando por levar na bolsa apenas as armas de fogo, as armas brancas eu prefiro manter a mão, apenas o machado terá de ficar para trás, dificilmente eu poderia fazer uma camuflagem boa o bastante para ele.

Bianca silenciosamente observa cada um dos meus passos com um sorriso estampado em seu rosto. Sinto como se, não importa o movimento que eu faça, nada disso será novidade para ela, é como se ela já soubesse de tudo. Não sei pelo que ela passou, mas apesar de sua aparência ser a mesma, sua aura certamente mudou, ela está muito mais madura, não é mais a menina com quem eu... vivi.

- Por que me olha com essa intensidade, major?

- Só estava me perguntando qual foi o objeto ao qual você prendeu seu espírito. Quero me certificar de não deixá-lo para trás. – Obviamente não era nada disso que eu estava pensando, mas ainda assim é um ponto importante.

A expressão no rosto dela me faz ter certeza de que ela sabe muito bem que não era isso que estava na minha mente, mas assim como eu, ela reconhece a importância da pergunta e me responde com um suspiro:

- Não se preocupe com isso. Eu tomei precauções para que você encontre a minha chave na hora certa, ou melhor, ela encontre você.

É bem o que eu precisava, começar a jornada com enigmas. Chave é o termo que os espíritos usam para se referir aquilo que os prende ao mundo dos vivos. Detesto isso, ela já está até mesmo falando como um deles. Se eu não conhecesse tão bem a mensagem passaria despercebida e iniciaríamos a viagem, mas Bianca e eu não somos estranhos. Eu sei exatamente o que ela quer dizer. Por isso fecho o baú e me sento sobre o mesmo cruzando os braços na frente do corpo e encarando-a sem muita paciência para os seus joguinhos.

- O que você aprontou, Bianca? A quem você se atrelou seu espírito? – A indagação não parece lhe causar surpresa. Pelo contrário, o sorriso no canto dos lábios e os passos delicados e sensuais em minha direção indicam que eu apenas correspondi às expectativas dela.

- Vejo que não perdeu o seu toque. – O rosto dela fica bem próximo do meu. Se ela estivesse viva, eu seria capaz de sentir sua respiração. Talvez ela não tenha tanta ciência assim de que já não está mais viva, os jogos continuam os mesmos.

Ao perceber que ainda estou esperando por uma resposta ela se vira até a porta encostando sua cabeça na mesma e diz:

- A menina está protegida, não se preocupe. Na hora certa ela irá cruzar o nosso caminho, mas antes ela precisa terminar sua iniciação.

Algumas coisas não mudaram, e provavelmente nunca irão mudar. Ela ainda não consegue encarar o meu rosto ao dizer algo que sabe que vai me deixar irritado, mas dessa vez, não sei se pela culpa do que houve com ela, ou apenas pela paz de tê-la de volta por perto, eu não fico irritado. Apenas me levanto, ponho a mala nas costas, o chapéu de aba na cabeça e abro a porta pra ela.

Finalmente vejo espanto nos olhos dela ao virar seu rosto em minha direção. Antes que ela possa perguntar algo que eu não quero responder, saio pela porta dizendo:

- Estamos partindo. A iniciação acaba de terminar. Quero essa menina perto de mim 24 horas por dia.