“Highway to hell... I´m on the highway to hell”
Essa ainda é uma das poucas músicas que fazem sentido quando estou trabalhando no carro. Estou debaixo desse motor faz duas horas, mas não importa, vou ficar aqui o tempo que for necessário pra colocar essa belezinha pra correr de novo.
Desde que saí da força aérea o mais próximo que tenho de um jato é o meu carro. As corridas são divertidas, fazer aqueles idiotas comerem poeira é impagável, mas ainda assim não é a mesma coisa, sinto falta do meu jato, de poder pilotar pelos céus, vagar entre as nuvens e ficar a sós com o paraíso.
Mas já que não posso mais pilotar ao menos vou usar o que aprendi lá no meu carro, essa belezinha só não voa porque eu ainda não posso tirá-lo do chão, não importa quantos mecânicos digam que é loucura usar os upgrades de jatos no meu carro, experiência conta mais do que conhecimento, então eu faço as coisas do meu jeito e sempre acabo vencendo as corridas, bem, quase sempre.
A corrida dessa noite deve ser boa, as apostas estarão altas e eu preciso da grana. Os trabalhos com Jarael pagam cada vez pior e se eu inventar de não pagar a parte dele na igreja as coisas sempre terminam mal pra mim, então é melhor manter o pouco que ele oferece comigo, brigar com aquele anjo definitivamente não é uma boa idéia, ele não tem senso de humor.
Já não sei mais se quero que ele apareça logo com outro serviço. Cada vez que ele aparece eu ponho o meu pescoço em risco, não é que eu não goste da emoção de fazer isso, apenas acho que o pagamento poderia ser melhor. Pro inferno, no final eu acabaria fazendo o trabalho de graça, só pela diversão de botar aqueles idiotas de volta no lugar deles, mas que o Jarael jamais desconfie disso, ou o aluguel da garagem é que vai ficar em risco.
Porcaria, o rádio parou de novo. Saio debaixo do carro com o rosto e o macacão imundos com graxa, óleo e sabe-se lá o que mais vive ali embaixo. Dou uma pancada de leve no rádio e ele logo volta a funcionar, odeio essa coisa velha. Quando me viro de volta para o carro me deparo com aquilo que eu sabia que cedo ou tarde aconteceria: Jarael está sentado no banco do carona me encarando com a mesma expressão vazia de sempre.
Dou um suspiro cansado, limpo as mãos em um pano e abro a porta.
- O carro não ficará pronto até de noite, senhor. Por favor, queira retornar mais tarde.
Ele me responde virando seu olhar vazio em minha direção. O fato de ele não ter senso de humor não quer dizer que eu não possa ter.
- Entre no carro, nós precisamos conversar. – O tom frio e inexpressivo dele de fato combina com o olhar. É extremamente monótono conversar com alguém assim.
Entro no carro e fecho a porta, seria inútil tentar dizer a ele que estou ocupado.
- O que houve dessa vez? – Pergunto me acomodando no assento do motorista.
O olhar dele se perde olhando para a parede novamente, eu realmente queria saber como ele consegue ser tão vazio. Ele respira fundo, nessas horas eu me pergunto o quão humano e o quão anjo ele realmente é? Nunca engoli esse papo de origem divina e o fato de ele se esquivar sempre que eu toco no assunto realmente não colabora para que eu confie mais nele.
- Estamos com um problema. Precisamos que você faça outro serviço para nós. – Ele não transmite preocupação alguma em seu tom de voz, mas as palavras me parecem sérias por algum motivo que eu não sei explicar.
- Tudo bem. O que vocês querem que eu faça dessa vez? – Quanto mais cedo eu aceitar o trabalho, mais cedo me livro dele e posso voltar a trabalhar, já vi que não vou me livrar dessa mesmo.
- Existe uma poderosa feiticeira a quem precisamos consultar. Ela morreu há muitos anos e estava presa no inferno desde então. Porém, sabe-se que ela recentemente escapou e provavelmente deve estar em busca de um modo de se atar de volta ao mundo dos mortais. É vital que nós a encontremos o quanto antes. – Ele fala sem me olhar nos olhos, isso me irrita, mas mesmo assim presto toda atenção em suas palavras. A coisa parece mais importante do que eu antecipara.
- E quem é essa feiticeira? Por que ela é tão importante? – Minhas perguntas são seguidas de um silêncio realmente incomodo. Se eu já não estivesse acostumado com Jarael diria que ele estava ponderando sobre o quanto me contar, mas sendo quem ele é, fica difícil saber o que se passa na sua cabeça. Por um segundo agradeço aos céus por não ter que enfrentá-lo em uma mesa de pôquer, ele seria um adversário e tanto.
- Ela escapou do inferno com algumas informações que nós precisamos. Não sabemos quantos mais escaparam com ela e nem por onde ela saiu, além disso só o que posso lhe dizer é o seu nome, no demais você terá que localizá-la por seus próprios meios.
- Calma lá. Como raios eu vou encontrar uma feiticeira morta com apenas um nome? – É revoltante como esse anjo acha que eu tenho algum tipo de onisciência quando se trata de fazer o trabalho sujo dele.
- Não espere que eu faça o seu trabalho, piloto. Apenas faça o que lhe é mandado e será recompensado. – Não sei o que me revolta mais, se é a arrogância dele ao me passar esse tipo de missão, ou se é o fato de nem mesmo quando discutirmos o tom de voz e a expressão dele se alterarem.
- Como se vocês me pagassem algo que possa ser remotamente justo pelo que eu faço. – É mais um desabafo de algo que estava engasgado do que de fato uma reclamação da qual eu esperaria alguma resposta. – Mas que seja. Qual é o nome da infeliz?
- A feiticeira se chama Bianca. Eu volto a entrar em contato quando você conseguir algo sobre ela. – Ele termina de falar como se eu não houvesse acabado de reclamar de tudo o que ele diz e, antes que eu possa acrescentar algo mais, ele sai do carro e desaparece ao bater a porta, me deixando sozinho de novo com a minha música e agora com o problema de precisar encontrar essa tal Bianca. Vou ter que pensar sobre isso durante a corrida, agora preciso terminar de arrumar o carro.