sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O Ultimo Forte Elfico

A tarde chegava ao fim e a turba finalmente invadira o Forte do Carvalho. O cheiro de queimado se espalhava por toda a terra devastada. Todos os povoados próximos a floresta já podiam avistar a fumaça negra que se erguia da pira que um dia fora uma fortaleza élfica detentora de magia e poder.

Devia faltar pouco agora, ou ao menos assim ele pensava. Aqueles homens não poderiam ser loucos o bastante para ficar tão a vista na floresta durante a noite e esperar sobreviver. Todos sabem que tipos de seres atravessam aquelas matas ao cair da noite.

O elfo tentou se levantar, mas o corte em suas costas era profundo de mais para isso e a flecha em seu ombro trouxe imediatamente a memória de como ele fora parar ali. Vencido pela dor e pelo conhecimento que lhe dizia que era impossível sobreviver àqueles ferimentos, o elfo optou apenas por observar os momentos finais de seu antigo lar enquanto o sangue escorria para fora de seu corpo e os sentidos começavam a lhe faltar.

Ao menos ele morreria com honra, mantivera sua espada em punho e a levaria a herança de sua família consigo para o outro mundo. Sua morte não seria lembrada. Não fora um herói épico. Apesar de sua brava morte defendendo seus irmãos em uma batalha que há muito já estava perdida, a história é escrita pelos vitoriosos, e nenhum deles se importaria com o guerreiro que lutou contra eles e derrubou cinco de seus homens antes de ser derrubado. Não, na história dos homens não havia lugar para um herói élfico.

Com esse triste pensamento em mente, o elfo se preparava para fazer sua passagem para o outro mundo, mas, ao que parece, o universo ainda tinha uma ultima surpresa para ele antes de sua partida. Um guerreiro humano que vasculhava o campo em busca de feridos o encontrou. Sua armadura, coberta de sangue e fuligem, não mais brilhava com o crepúsculo, a espada em punho pingava com sangue de dezenas de oponentes, dezenas de elfos que morreram defendendo o seu lar. Devido à posição do sol por de trás do homem, era impossível ver o seu rosto, mas o som de sua voz rouca atingiu o elfo como um trovão.

- Como se sente, elfo imundo? Acha que ainda pode ser um bom desafio para minha espada? – Aquela voz era conhecida, aquela fúria vingativa só poderia vir de um homem.

- Creio que não, velho companheiro. Não poderei mais participar de sua cruzada sanguinária. – Disse o elfo recusando-se a responder ao desafio.

O homem aproximou a ponta da espada da garganta do elfo, mas, ainda assim, não obteve reação alguma. Não haveria um ultimo combate, não com aquele elfo.

- Sua era finalmente chegou ao fim. É o momento de homens tomarem o que é seu por direito.

- Esta terra nunca foi sua. Os homens ainda são muito imaturos, não estão prontos para governar este mundo ou qualquer outro. Era o papel dos elfos ensiná-los a sobreviver e a cuidar da terra. Mas em seu ímpeto incansável vocês nos destruíram e condenaram a todo o planeta no processo. – A voz do elfo agora se tornava cada vez mais fraca. - Vocês simplesmente ainda não estão prontos.

- Não, elfo. Vocês pregam a segurança do mundo para manter o domínio da magia. Vocês escravizaram o nosso povo com esse poder. Eu perdi dois filhos para o seu povo. E na audiência onde busquei justiça, - A voz do homem, outrora onipotente e poderosa como um trovão, agora se enchia de mágoa e dor. O elfo não podia enxergar suas feições, mas tinha certeza de que lagrimas desciam de seus olhos. - Só o que você me disse, foi que meus filhos tentaram conhecer o proibido e que os elfos não poderiam permitir que o balanço do universo fosse perturbado. Mas isso não é verdade. A verdade é que não foi por isso que meus filhos morreram. – A tristeza agora se tornava fúria e o elfo sentia o som da morte se aproximando nas palavras daquele homem. Ele não teria tempo de morrer por suas feridas. Aquele era o homem que daria fim a sua vida, o homem que ele acreditava ser destinado a viver toda sua vida apenas um camponês responsável por cultivar terras. – Os meus filhos morreram, porque descobriram o seu plano, elfo. Meus filhos morreram, porque viram as armas mágicas de destruição com as quais vocês destruiriam a todo o meu povo!

A fúria do homem fazia com que a espada tremesse em sua mão. A qualquer momento ele poderia enfiá-la na garganta do elfo e terminar aquilo. Mas sua mágoa era grande e terrível de mais para ser aplacada pela morte, ele queria entender algo que o elfo julgava impróprio para a mente humana. Ele queria entender os preceitos da magia.

- Diga-me, por que vocês possuem um desejo tão grande de morrer? Não entendem que com a morte dos elfos o seu destino está selado? Os homens são impetuosos e arrogantes de mais para manipular a magia, por isso não a demos a vocês. Homens agem com emoção, atacam mesmo quando sabem que a luta está perdida. Suas vidas são sacrificadas por nada todos os dias e você deseja culpar os elfos por matar aqueles que poderiam condenar a todos. – A voz do elfo agora se recuperava um pouco, ele se sentia ultrajado com as acusações do homem. E, mesmo a beira da morte, ele não poderia permitir que o orgulho de sua raça fosse tratado daquela forma. - Não, humano. Vocês não estão prontos para viverem sozinhos!

Tomado pela fúria, o homem levantou o elfo do chão imprensando-o contra a árvore e deixando seus rostos a uma respiração de distancia. A dor percorreu todo o corpo do elfo ao ser levantado, mas não importava mais, já era hora de morrer.

- Entenda de uma vez, elfo! Nós não precisamos de sua magia para sobreviver. Vencemos essa guerra justamente por conta de nossas emoções. Vocês sempre julgaram que, por sermos menos numerosos e não termos acesso a magia, jamais iríamos nos impor e nos lançar num combate contra vocês. Esse foi o seu maior engano. Os anos que posaram como nossos algozes nos deram a força que precisávamos para virar o seu jogo. Vocês nos deram a força que precisávamos através de nossas tristezas e, agora, finalmente estamos livres de vocês. Avise ao seu deus que este mundo agora é nosso e que os nossos filhos serão vingados! – Com essas palavras, o elfo sentiu a espada do homem atravessando seu peito e rasgando suas entranhas. Seu corpo se tornou frio, seus sentidos desapareceram juntamente com sua consciência e a espada de sua família agora jazia no chão, aos seus pés, com o sangue daquela que a empunhava escorrendo sobre ela.

Era o fim, as emoções humanas triunfaram sobre o conhecimento dos elfos. Uma nova era se iniciava...