domingo, 26 de setembro de 2010

Estudos Noturnos

Estudar, estudar e estudar. Só o que eu tenho feito ultimamente é estudar e quanto mais eu estudo, mais percebo que ainda não sei nada do que há para saber. Isso é meio estranho, além de ser complicado separar o sensacionalismo da realidade, eu ainda tenho que lidar com o fato de que não sei até onde estou disposta a encarar a verdadeira realidade. Às vezes, quando algo me soa estranho demais, acabo preferindo, apenas, acreditar que é mentira, mas admito que isso tem ficado cada vez mais difícil.

Nessa noite tive outro daqueles sonhos estranhos. Eles estão ficando cada vez mais reais. Eu acordo como se ainda estivesse sonhando - ainda sinto a minha pele queimando, o cheiro do mar invadindo os meus pulmões e o gosto de água salgada na boca. Parece que eu e aquele cara estávamos, de fato, conversando na praia há alguns segundos. Eu me lembro de tudo o que ele disse, mas por algum motivo não consigo me lembrar de suas feições ou das roupas que ele vestia. É sempre assim quando sonho com ele; parece que, constantemente, algumas das peças ficam faltando.

Chega de divagar sobre os meus sonhos. É hora de levantar e voltar pros estudos. Arrasto-me até o banheiro. As luzes matinais ainda maltratam os meus olhos; não tenho vontade nenhuma de acordar, de verdade. A água fria contra o meu rosto só serve pra me deixar de mau humor. Volto para o quarto, ainda arrastando as pantufas no chão, sem levantar os pés; há essa hora eu, definitivamente, estou mais para um zumbi do que para uma estudante “dedicada”.

Os livros ainda estão abertos sobre a minha escrivaninha; o caderno aberto com as minhas anotações embaralhadas que só eu entendo se destaca no centro do material de estudo. Abro as cortinas da janela sobre a escrivaninha e me sento para revisar as últimas anotações feitas na noite passada; preciso lembrar onde parei para poder retomar o raciocínio.

Páginas e páginas de informações copiadas que provavelmente nunca vou usar pra nada. Odeio isso, mas ainda assim essa é melhor maneira de estudar que eu conheço, então não me resta exatamente uma escolha. Mas espere aí, esse é o meu caderno da faculdade, por que raios tem uma sessão inteira nele sobre profecias? E essa caligrafia definitivamente não é minha. Começo a vasculhar as anotações recém descobertas. Não entendo a metade do que isso quer dizer. Muito blá, blá, blá, sobre o dia em que os céus se tornaram vermelhos o a nova guerra santa irá começar, mas o que exatamente isso quer dizer? E quem foi que escreveu isso?

Enquanto me afundo em meus pensamentos sinto algo diferente. Como se alguém estivesse me observando. Se existe algo em que eu confio é na minha intuição. Assim sendo, fecho os olhos e me concentro, se o desgraçado acha que vai me pegar de surpresa ele certamente não sabe com quem se meteu. Com os olhos fechados, meus outros sentidos (especialmente os não físicos) se aguçam. Eu quase posso vê-lo perfeitamente parado na porta do meu quarto. O cabelo escorrido sobre o rosto formando uma franja que cobre os olhos, as roupas simples e largadas, sua postura jovem, por um segundo sinto como se fossemos velhos conhecidos prestes a ter uma daquelas conversas de horas e mais horas. Me pego apenas sorrindo.

Quando decido finalmente encará-lo não há ninguém no quarto além de mim. Por via das duvidas checo o corredor e o banheiro. Nada também. Odeio me sentir assim, como se eu estivesse enlouquecendo e me tornando paranóica, mas sei que ele estava aqui e tenho as anotações para provar.

Me sento de volta na escrivaninha apesar de ainda estar um pouco cabreira. Quando bato os olhos de volta nas anotações algo está estranho, a caligrafia corrida agora destaca um trecho em particular:

“Bem vinda ao jogo, minha jovem amiga.

Encontre Jarael e aprenda sobre o seu papel nos eventos vindouros.”

E agora mais essa. Droga. Eu mereço... Quem é esse tal de Jarael? Será que é ele que conversa comigo nos meus sonhos? Algo me diz que vou me arrepender de procurar por esse cara, mas isso é definitivamente o que eu vou fazer.


domingo, 19 de setembro de 2010

Fagulha

Ouço gritos e chamados por todos os lados. É uma bagunça. Não me entenda mal, não estou reclamando... Certo, eu estou reclamando, mas que droga. A verdade é que o lugar está tão cheio quanto parece vazio... Ceeerto, essa é uma afirmação muito esquisita, mas é também a mais pura e cristalina verdade... Ao menos pra mim.

Preciso me situar. Dou uma boa olhada em volta e... É, eu realmente estou no lugar certo. Essa balburdia é um inferno. Mesmo que eu quisesse dar atenção a todos, e eu não quero, é impossível entender algo com tantos falando ao mesmo tempo.

Agacho-me, fecho os olhos e tapo os ouvidos até que todos se calem. De repente, mais rápido do que pensei, só há silêncio. Alguém toca o meu ombro. Abro os olhos e vejo um menino, de mãos dadas com a mãe, me fazendo a mais ingênua das perguntas:

- Você tá rezando, tio? – Sorrio e aceno com a cabeça. A mãe rapidamente o puxa e segue seu caminho. Fico de pé e olho novamente ao redor. São tantas passagens, e nenhuma indicação, que é difícil achar alguém por aqui. Sem muita alternativa, na verdade alternativas demais, escolho a passagem mais próxima e sigo em direção ao ponto mais distante do cemitério. Imediatamente a algazarra recomeça.

Certo, eu sei que está muito confuso, mas vou tentar explicar com uma analogia. Sou o que algumas pessoas chamam de Médium. Tá, isso não é uma analogia, mas só porque eu ainda não terminei de explicar. Eu não jogo cartas, búzios, e muito menos leio mãos (detesto quando alguém me pede essas coisas), esse tipo de gente seria algo como uma vela. Também não tenho nenhum tipo de guia espiritual ou coisa parecida, esses médiuns seriam uma espécie de lanterna. Eu, bem, eu vejo e ouço coisas que as outras pessoas não vêem, vejo e ouço com clareza, às vezes até de mais. Pode-se dizer que sou capaz de interagir com espíritos em vários níveis, sou algo como um farol, sabe, um farol desses que, quando há muita neblina, alertam os navios que a terra firme está próxima.

Com tanta capacidade de interação, você deve estar se perguntando por que eu não pergunto a um dos espíritos como encontro quem estou procurando. A primeira regra do meu negócio é: Espíritos que vagam nunca fazem nada sem pedir algo em troca, então não peça nada a menos que não exista alternativa (Grande e útil dom esse meu).

Esse cemitério é um dos piores, já estou com dor de cabeça. Pra cá são mandados os indigentes e os bandidos de pior calibre. Por ai já da pra perceber que não há muita luz entre esses espíritos, ou como prefiro chamá-los: “demo-espíritos”. A maioria aqui nunca fez nada de bom em vida, mas como dizem: há sempre uma luz no fim do túnel. E eu estou aqui pra resgatar essa fagulha de esperança.

No meio de tanta escuridão eu não tardo a encontrar quem procuro, e é justamente aqui que está o maior problema de se encontrar um espírito tão fraco em um lugar como esse. Ele, Ruan Marco Salgueiro, como era conhecido em vida, está sendo atormentado pelos espíritos sem luz a sua volta. Desse jeito não há como ajudá-lo na passagem, tão pouco conseguir dele o que me foi pedido.

Regra número dois do negócio: Não se envolva nos assuntos dos espíritos, nunca acaba bem. Sorte dele que eu não sou muito bom em seguir regras.

- Ei, vocês ai? – É eu estou falando com os espíritos, eu disse que podia interagir com eles. A primeira reação dos demo-espíritos é sempre a mais interessante, sabe, quando não são eles que chamam por mim e sim eu por eles. Quase sempre é assim, eles me olham com raiva, mas travam. – Acho que o meu amigo ai não quer brincar com vocês, sugiro que o deixem em paz...

- Ou o quê? – Um dos demo-espíritos me corta gritando. Odeio quando eles fazem isso, significa que não vai acabar bem. Regra número dois.

Abro o casaco e espalho sal a minha volta em um só movimento. Na maioria dos casos essas criaturas não podem fazer mais do que me encher a paciência, mas existem exceções e eu não gosto de ser pego de surpresa. Regra número três: Todo risco desnecessário é grande demais.

Felizmente, pra mim, os demo-espíritos desaparecem. Acho que a proteção que criei e o fato de poder interagir diretamente com eles sem ser chamado deixaram claro que não sou qualquer um.

- Ruan Marco Salgueiro, você foi enterrado como indigente e não recebeu o perdão para sua passagem. - Faço uma pausa e espero pela reação de Ruan. Ele simplesmente não tem nenhuma. – Em vida você ajudou no sequestro de duas pessoas. Em nome dos parentes das vítimas eu lhe ofereço absolvição de seu pecado e promessa de que eles pedirão em suas preces que seu espírito tenha luz para acender. – Ruan, vira a cabeça em minha direção. Ele agora parece mais interessado.

- O que você quer de mim? – É, a recíproca é verdadeira. Nós também sempre queremos alguma coisa em troca de outra, a regra número um também vale pra eles.

- Quero saber para onde seus cúmplices levariam os reféns.


Por: Alessandro Dantas de Melo