sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Pesquisa Espiritual

Minha cabeça dói. Detesto acordar com enxaqueca. Mas é sempre assim depois de uma noite de sonhos que mais parecem memórias de outras pessoas. Eu sei que já passei por isso inúmeras vezes, mas acho que ainda assim ainda não estou pronta pra dizer que me acostumei. Talvez eu nunca esteja.

Mais um dia que começa sem respostas. Estou ficando cansada de procurar pelo tal Jarael e sempre me deparar com um grande vazio. Talvez eu esteja olhando nos livros e sites errados. Não sei. Só sei que estou ficando cansada de não ter pistas. E como se não me bastasse isso, a mensagem que me levou a procurá-lo desapareceu do meu caderno, cheguei até mesmo a pensar que eu tivesse imaginado a coisa toda, mas as lembranças são vivas de mais, mesmo que seja um sonho, estou certa de que quer dizer alguma coisa.

Tomar um bom banho sempre é a melhor forma de começar o dia, ou ao menos é o primeiro passo. O segundo é ir até a cafeteria da universidade e pegar um bom café com bastante açúcar. Ainda morro disso.

Uma vez de posse do meu café, decido me sentar a uma das mesas da cafeteria e abrir o notebook pra começar a pesquisa do dia. Revejo todas as minhas páginas e páginas de anotações antigas e começo a pensar sobre o que escrever a seguir. Fichar outro livro de ocultismo não é mais o que eu posso chamar de “estudo teórico”, está mais para tentativa de “suicídio através do tédio” ou “sacrifício ritual de horas de trabalho”. De qualquer forma eu não tenho escolha, por mais que poucos dos livros aos quais eu tenho acesso ainda tenham algo de bom a me dizer, eu dificilmente vou aceitar a idéia de que isso é realmente necessário para fixar o conhecimento na minha mente, mas ainda assim é melhor do que resenhar os livros ou textos da faculdade, apesar de eu já conhecer o conteúdo, o tema ao menos é interessante.

Hora de parar de reclamar e trabalhar. Passo algumas horas fichando o livro, o café começa a perder o efeito, minhas pálpebras ficam pesadas, sempre que tenho aqueles sonhos fico cansada o dia todo, parece que vou pegar no sono a qualquer minuto. Acho que isso é parte da causa do meu mau humor. Arrisco até mesmo dizer que cheguei a dar uma ou duas piscadas em frente ao computador. Espero que nenhum desses desavisados metidos a esperto tenham reparado.

Quando finalmente terminei o quinto capítulo do livro e joguei a cabeça pra trás para relaxar por alguns instantes, posso dizer que o meu mundo literalmente foi jogado de pernas pro ar. Eu apenas estiquei o pescoço e joguei a cabeça para trás, mas o que senti foi o meu corpo inteiro caindo e quando abri os olhos eu estava caída de costas numa planície. Um lugar até bastante bonito, mas ainda assim muito longe de ter qualquer coisa a ver com a cafeteria do campus. Olho em volta e não vejo nenhum sinal de como cheguei até ali, nem mesmo pegadas. O que raios estará acontecendo?

A resposta vem como um raio:

- Acho que a frase: “Não estamos mais no Kansas”, cai bem no momento, não? – A voz masculina vem de alguém parado alguns passos atrás de mim.

Seja lá quem for, é melhor eu dar logo uma boa olhada nele, exitar agora realmente não me parece uma boa idéia. O sol está logo atrás dele, droga, não consigo ver muito além de sua jaqueta de couro, a camisa branca de malha e a calça jeans com uma corrente prateada pendurada. Ele não me parece muito alto ou muito forte, um metro e setenta e cinco talvez, mas o rosto se mantém um mistério. Ponho a mão por cima dos olhos para diminuir o efeito da luz e dou um passo em sua direção. Ele não me parece preocupado, meu caminhar não fez com que ele se afastasse.

Quando me aproximo o bastante para enxergar o seu rosto vejo que ele é jovem e absurdamente bonito, como uma daquelas estatuas gregas de gesso ou sei lá o que. O sorriso dele ao me ver é acolhedor, mas apesar disso paro de caminhar a uma distancia segura. Quando me preparo para falar um vento passa entre nós fazendo com que os cabelos encaracolados dele cubram seus olhos momentaneamente, os meus obviamente ficam completamente espalhados por toda parte, mas antes que possa fazer algo a respeito o vento pára tão de repente quanto começou e meus cabelos bizarramente voltam a estar arrumados, isso está começando a ficar esquisito de mais.

- “Alice no País das Maravilhas”, sério? Já sonhei com bruxos clichês antes, mas isso é meio exagerado, não acha? – Eu não poderia começar o dialogo de forma amigável, sem uma boa alfinetada não seria eu. Ao menos ele agora já sabe com quem está lidando.

Ele pisca por um momento parecendo um pouco constrangido e responde ainda sorrindo:

- Na verdade a citação é de “O Mágico de Oz”, mocinha. E eu não sou um bruxo. E você também não está sonhando. Tudo aqui é bastante real.

Desgraçado, eu nunca fui fã de histórias infantis mesmo, mas também não esperava que ele fosse. E isso não ajuda a me deixar de bom humor.

- Então, quem é você? Que lugar é esse? E como eu cheguei até aqui?

Ele estende a mão aberta em sinal para que eu pare de falar, seus movimentos são bastante elegantes e graciosos.

- Tudo a seu tempo, criança. Todas as suas perguntas serão respondidas no momento certo, não adianta me bombardear com elas. Sou apenas um anjo, não um oráculo.

A resposta me deixa em choque por alguns instantes. Um anjo! Ele definitivamente não se parece com a idéia que eu faço de um anjo. Qual será o jogo desse cara?

Imediatamente eu começo a analisar o ambiente em busca de algo que possa me dar forças para tentar combatê-lo. Ele parece se divertir com a cena.

- Não há necessidade de se preparar para um combate, se eu a quisesse mal não lhe submeteria a uma viagem astral até aqui.

Como ele sabe o que se passa na minha mente? Viagem astral, já cruzei com informações sobre isso em algumas fontes, mas nunca achei que pudesse ser feito de forma tão simples e sem um ritual apropriado.

Depois de analisar a situação por alguns instantes e constatar que de fato não há muito o que eu possa fazer, acabo concordando em participar do jogo dele.

- Digamos que eu acredite em você. O que um anjo poderia querer comigo?

- É de meu conhecimento que você tem estado em busca de informações sobre um de meus primos. O nome dele é Jarael, por que deseja encontrá-lo, criança?

Talvez isso seja mais real do que eu quero admitir. Ele sabe sobre Jarael, mas algo ainda está errado, eu definitivamente não gosto que joguem comigo.

- Primos? Anjos têm primos agora? Você parece bastante humano para mim.

Ao invés de me responder ele encara diretamente o sol com um sorriso no rosto. Qualquer humano normal teria no mínimo que cobrir os olhos, mas não ele. Ele faz isso naturalmente e parece ser prazeroso. È como se ele estivesse buscando a resposta no sol.

- Eu passo tempo de mais entre os humanos. – as palavras interrompem minha admiração e me pegam desprevenida. – Alguns acham que me tornei emotivo de mais e parecido de mais com vocês para poder voltar ao reino do Senhor. Mas eu ainda posso sentir a Sua graça e, ao meu ver, eu apenas aprendi a me assemelhar aos Seus filhos.

- E quanto a Jarael? Por que o chamou de primo? – Ele me pegou de guarda baixa uma vez, não vai acontecer de novo.

- Entenda, criança, os anjos não são todos iguais. Nós somos divididos em castas, cada uma com uma missão. Aqueles que pertencem à mesma casta referem-se uns aos outros como irmãos e aos que pertencem a outras castas como primos.

Por um segundo, a idéia me parece bastante plausível, mas antes que eu possa formular outra pergunta, ele indaga:

- Eu respondi as suas perguntas. Agora é a sua vez de retornar a gentileza e me dizer por que busca Jarael.

- Eu recebi uma mensagem, dizendo que ele me diria qual será... – antes que eu pudesse concluir a frase, uma serie bizarra de eventos se desenvolveu ao mesmo tempo: a expressão serena e sorridente do anjo se tornou seria, uma seriedade cruel e ameaçadora, ao mesmo tempo um forte vento frio e cortante soprou levantando as poucas folhas secas espalhadas pela planície e o céu foi encoberto por nuvens tempestuosas. Em poucos segundos o dia se tornou noite.

Antes mesmo que eu pudesse pensar em alguma reação, se é que eu de fato teria alguma, o anjo correu em minha direção dizendo ansiosamente:

- Fomos encontrados. Aqui não é mais seguro, voltarei a procurá-la quando for possível. Até lá, pare de chamar atenção!

- Mas eu... – Não houve tempo para que eu terminasse o meu protesto. Ele tocou minha testa com a ponta de dois dedos e eu estava de volta à cafeteria do campus, como se tudo tivesse sido apenas uma cochilada rápida que ninguém notou.

Somente uma pergunta grita na minha mente agora: “O que diabos foi tudo isso?”

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Preparativos


Winchester, calibre doze, cano duplo. Faca de prata benzida com as águas do rio Jordão e abençoada por um papa. Estaca de madeira esculpida por um apache. Colt Python com insígnias arcanas. Machado duplo utilizado para decapitar bruxas durante a inquisição. Pregos do caixão de pessoas consideradas impuras e pregadas ao caixão após sua morte na idade média. Corda utilizada para amarrar bruxas ao tronco durante a Inquisição. Orbe mágica abençoada por ciganos com dons divinatórios.

É. Já faz tempo desde que tive que visitar o baú de armas pela última vez. Tocar cada um desses acessórios e relembrar os diversos usos que fiz deles é, sem dúvida, uma experiência nostálgica. Se adicionarmos ainda o fato de Bianca estar ao meu lado novamente após tantos anos, bem, acho que posso dizer que por alguns instantes me sinto perdido no tempo.

- E então, já terminou de reviver o passado? Podemos voltar a falar da missão atual? - A voz dela vem como uma onda que me derruba de volta para a realidade. Chega de memórias, já é realmente hora de mudar as coisas, parar de me sentir um velho e começar a agir novamente.

Ainda sem encarar novamente os olhos de Bianca, eu me levanto e arrumo uma mala para juntar meu equipamento. Obviamente, não vou levar tudo, mas é difícil escolher o que levar e o que deixar para trás quando não sei exatamente o que estou indo enfrentar.

Acabo optando por levar na bolsa apenas as armas de fogo, as armas brancas eu prefiro manter a mão, apenas o machado terá de ficar para trás, dificilmente eu poderia fazer uma camuflagem boa o bastante para ele.

Bianca silenciosamente observa cada um dos meus passos com um sorriso estampado em seu rosto. Sinto como se, não importa o movimento que eu faça, nada disso será novidade para ela, é como se ela já soubesse de tudo. Não sei pelo que ela passou, mas apesar de sua aparência ser a mesma, sua aura certamente mudou, ela está muito mais madura, não é mais a menina com quem eu... vivi.

- Por que me olha com essa intensidade, major?

- Só estava me perguntando qual foi o objeto ao qual você prendeu seu espírito. Quero me certificar de não deixá-lo para trás. – Obviamente não era nada disso que eu estava pensando, mas ainda assim é um ponto importante.

A expressão no rosto dela me faz ter certeza de que ela sabe muito bem que não era isso que estava na minha mente, mas assim como eu, ela reconhece a importância da pergunta e me responde com um suspiro:

- Não se preocupe com isso. Eu tomei precauções para que você encontre a minha chave na hora certa, ou melhor, ela encontre você.

É bem o que eu precisava, começar a jornada com enigmas. Chave é o termo que os espíritos usam para se referir aquilo que os prende ao mundo dos vivos. Detesto isso, ela já está até mesmo falando como um deles. Se eu não conhecesse tão bem a mensagem passaria despercebida e iniciaríamos a viagem, mas Bianca e eu não somos estranhos. Eu sei exatamente o que ela quer dizer. Por isso fecho o baú e me sento sobre o mesmo cruzando os braços na frente do corpo e encarando-a sem muita paciência para os seus joguinhos.

- O que você aprontou, Bianca? A quem você se atrelou seu espírito? – A indagação não parece lhe causar surpresa. Pelo contrário, o sorriso no canto dos lábios e os passos delicados e sensuais em minha direção indicam que eu apenas correspondi às expectativas dela.

- Vejo que não perdeu o seu toque. – O rosto dela fica bem próximo do meu. Se ela estivesse viva, eu seria capaz de sentir sua respiração. Talvez ela não tenha tanta ciência assim de que já não está mais viva, os jogos continuam os mesmos.

Ao perceber que ainda estou esperando por uma resposta ela se vira até a porta encostando sua cabeça na mesma e diz:

- A menina está protegida, não se preocupe. Na hora certa ela irá cruzar o nosso caminho, mas antes ela precisa terminar sua iniciação.

Algumas coisas não mudaram, e provavelmente nunca irão mudar. Ela ainda não consegue encarar o meu rosto ao dizer algo que sabe que vai me deixar irritado, mas dessa vez, não sei se pela culpa do que houve com ela, ou apenas pela paz de tê-la de volta por perto, eu não fico irritado. Apenas me levanto, ponho a mala nas costas, o chapéu de aba na cabeça e abro a porta pra ela.

Finalmente vejo espanto nos olhos dela ao virar seu rosto em minha direção. Antes que ela possa perguntar algo que eu não quero responder, saio pela porta dizendo:

- Estamos partindo. A iniciação acaba de terminar. Quero essa menina perto de mim 24 horas por dia.