quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Castelo dos Horrores

Transilvânia, 1737 em "O Castelo dos Horrores"

As espadas foram sacadas no mesmo instante. As lâminas curvas atravessaram o ar com velocidade sobrenatural, apenas para se chocarem à altura dos olhos da dupla de duelistas. A surpresa pela habilidade do oponente impressionou a ambos, que desentrelaçaram as espadas para finalmente prestar respeito um ao outro:

- Tua aparência não impressiona, mulher, mas tua cimitarra procura meu sangue com paixão inigualável, devo admitir.

- Guarde os elogios para suas madames, inglês. Não me importa o quanto você é habilidoso com essa espada forasteira, acha mesmo que terá sorte duas vezes? - Ela se referia a uma espada longa e curva, com a qual nunca teve contato antes. O cabo era bem trabalhado com fitas de couro entrelaçadas, a lâmina impecavelmente reluzia todas as poucas luzes de vela que a sala possuía e parecia ter um poder de corte sobrenatural para uma espada tão fina.

- Gostas dela, mulher? Tão rápida quanto tua cimitarra, porém mais longa e, portanto, terei vantagem. De certo não pretendes me forçar a provar isso contra uma dama tão graciosa, tenho certeza. - O tom de escárnio não deixava dúvidas sobre sua falsidade.

- Não sabe com o que está brincando, bufão! Pois farei questão de lhe mostrar! - Disse a mulher com um rugido bestial, enfurecida.

O vampiro segurava a espada japonesa como um francês empunha um sabre em um duelo, com a mão inábil encostada nas costas e o fio cortante na posição lateral. A assamita não entendia o que uma postura tão arcaica poderia conferir a uma espada tão diferente. Mas suas décadas de combate não lhe deixariam pecar em sua decisão. O centro era a chave do ataque, já que o fio mirava para fora da linha de visão dos dois.

E partiu enfurecida para a ofensiva. Para um olho mortal as cenas seguintes não passaram de borrões escorregadios em pleno ar. Para os duelistas foi uma série de 5 minutos de movimentos incansáveis com a força e agilidade que apenas um cainita poderia ter. Por diversas vezes as armas se encontraram novamente, e o resultado nunca era positivo para um dos lados, nem mesmo um arranhão foi feito. Os combatentes possuíam não só habilidades semelhantes, como técnicas exatamente opostas, o que não agradou em nada o ego dos participantes, obrigados a aceitar a perícia do outro.

Inconformados com o impasse, decidiram atacar sem hesitação, decididos a finalizar o combate em um único corte. E finalmente se atingiram. Cortes laterais em direções opostas rasgaram-lhes a carne sem nenhuma dificuldade, e o sangue espirrou nas paredes do aposento, como espólios de guerra a presentear os guerreiros, que prontamente interromperam seus esforços. A dor de nada importava naquele momento, apenas a incerteza de como agir perante tal situação: Estavam diante de um claro empate.

O inglês fez um movimento de corte rápido e curto no ar, retirando todo o sangue da arma, e a embainhou, para em seguida curvar-se à sua oponente:

- Devo admitir minha vergonha. És uma adversária admirável e me atingiste com precisão cirúrgica. Congratulações.

A expressão de ódio da assassina instantaneamente se transformou em dúvida. O mesmo bufão que zombara de sua honra há poucos momentos acabara de se curvar em respeito e elogiá-la. Honra em um europeu? Nunca havia presenciado nada parecido. A sensação de um conceito tão familiar a fazia sentir-se em casa novamente. E após uma rápida reverência e embainhar de espada, cruzou os braços e retrucou:

- Não, não deve admitir derrota. Nos atingimos no mesmo momento. Só não esperava o fim do combate com apenas isso. Mas me acalma ver que finalmente se livrou do sorriso irritante que carregava consigo. Que tipo de homem é você?

- O tipo de homem que respeita um adversário digno. Não é de meu desejo que nos destruamos em um combate sem motivos. Mas o calor da competição vale qualquer risco, não é verdade? Por favor, perdoe minha característica impolidez diante de uma dama. Poderia esse humilde espadachim saber a graça de sua carrasca? - Não pôde mais segurar seu natural meio-sorriso, o que foi prontamente percebido por sua mais nova conhecida.

- Você é uma criatura curiosa. - E silenciou-se alguns segundos, para recomeçar - Selena Harpkin, e não posso dizer que estou encantada. Qual é o seu nome e o que faz aqui?

- Faço de Louis o meu nome, madame. E como tu já deduziste antes, vim da Inglaterra. Busco o tão falado Terror do Castelo, que não satisfeito em mutilar e devorar os mortais vizinhos faz questão de guardar todos os seus pertences e tesouros. Então como poderia estar aqui por outro motivo? Um monstro horripilante, espólios abundantes e uma linda moça destinada a cruzar o meu caminho. Terá o senhor finalmente perdoado meus pecados?

- Ou talvez tenha finalmente resolvido me punir pelos meus. - Disse, seguida de um leve suspiro. - Também busco o Terror do Castelo, Senhor Louis. E visto que é tão espirituoso ao citar sua busca como uma aventura, sugiro que nos ajudemos. Dividimos os espólios e nos livramos de um problema em comum. De acordo? - E estendeu sua mão.

- E como eu poderia negar? Vamos então, minha honrada companheira, e que o diabo cuide dos despedaçados que deixaremos em nossa trilha de sangue! - E apertou a mão de Selena, exaltado. Essa por sua vez esboçou um olhar perplexo.

Passaram pela porta da sala, para visualizar um pequeno quarto que abrigava apenas uma escada em espiral, cujo fim escapava até dos olhos imortais de seus contempladores. Seria uma longa e sangrenta noite, sem nenhuma dúvida.


Por Rafael Guedes