quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Preparativos


Winchester, calibre doze, cano duplo. Faca de prata benzida com as águas do rio Jordão e abençoada por um papa. Estaca de madeira esculpida por um apache. Colt Python com insígnias arcanas. Machado duplo utilizado para decapitar bruxas durante a inquisição. Pregos do caixão de pessoas consideradas impuras e pregadas ao caixão após sua morte na idade média. Corda utilizada para amarrar bruxas ao tronco durante a Inquisição. Orbe mágica abençoada por ciganos com dons divinatórios.

É. Já faz tempo desde que tive que visitar o baú de armas pela última vez. Tocar cada um desses acessórios e relembrar os diversos usos que fiz deles é, sem dúvida, uma experiência nostálgica. Se adicionarmos ainda o fato de Bianca estar ao meu lado novamente após tantos anos, bem, acho que posso dizer que por alguns instantes me sinto perdido no tempo.

- E então, já terminou de reviver o passado? Podemos voltar a falar da missão atual? - A voz dela vem como uma onda que me derruba de volta para a realidade. Chega de memórias, já é realmente hora de mudar as coisas, parar de me sentir um velho e começar a agir novamente.

Ainda sem encarar novamente os olhos de Bianca, eu me levanto e arrumo uma mala para juntar meu equipamento. Obviamente, não vou levar tudo, mas é difícil escolher o que levar e o que deixar para trás quando não sei exatamente o que estou indo enfrentar.

Acabo optando por levar na bolsa apenas as armas de fogo, as armas brancas eu prefiro manter a mão, apenas o machado terá de ficar para trás, dificilmente eu poderia fazer uma camuflagem boa o bastante para ele.

Bianca silenciosamente observa cada um dos meus passos com um sorriso estampado em seu rosto. Sinto como se, não importa o movimento que eu faça, nada disso será novidade para ela, é como se ela já soubesse de tudo. Não sei pelo que ela passou, mas apesar de sua aparência ser a mesma, sua aura certamente mudou, ela está muito mais madura, não é mais a menina com quem eu... vivi.

- Por que me olha com essa intensidade, major?

- Só estava me perguntando qual foi o objeto ao qual você prendeu seu espírito. Quero me certificar de não deixá-lo para trás. – Obviamente não era nada disso que eu estava pensando, mas ainda assim é um ponto importante.

A expressão no rosto dela me faz ter certeza de que ela sabe muito bem que não era isso que estava na minha mente, mas assim como eu, ela reconhece a importância da pergunta e me responde com um suspiro:

- Não se preocupe com isso. Eu tomei precauções para que você encontre a minha chave na hora certa, ou melhor, ela encontre você.

É bem o que eu precisava, começar a jornada com enigmas. Chave é o termo que os espíritos usam para se referir aquilo que os prende ao mundo dos vivos. Detesto isso, ela já está até mesmo falando como um deles. Se eu não conhecesse tão bem a mensagem passaria despercebida e iniciaríamos a viagem, mas Bianca e eu não somos estranhos. Eu sei exatamente o que ela quer dizer. Por isso fecho o baú e me sento sobre o mesmo cruzando os braços na frente do corpo e encarando-a sem muita paciência para os seus joguinhos.

- O que você aprontou, Bianca? A quem você se atrelou seu espírito? – A indagação não parece lhe causar surpresa. Pelo contrário, o sorriso no canto dos lábios e os passos delicados e sensuais em minha direção indicam que eu apenas correspondi às expectativas dela.

- Vejo que não perdeu o seu toque. – O rosto dela fica bem próximo do meu. Se ela estivesse viva, eu seria capaz de sentir sua respiração. Talvez ela não tenha tanta ciência assim de que já não está mais viva, os jogos continuam os mesmos.

Ao perceber que ainda estou esperando por uma resposta ela se vira até a porta encostando sua cabeça na mesma e diz:

- A menina está protegida, não se preocupe. Na hora certa ela irá cruzar o nosso caminho, mas antes ela precisa terminar sua iniciação.

Algumas coisas não mudaram, e provavelmente nunca irão mudar. Ela ainda não consegue encarar o meu rosto ao dizer algo que sabe que vai me deixar irritado, mas dessa vez, não sei se pela culpa do que houve com ela, ou apenas pela paz de tê-la de volta por perto, eu não fico irritado. Apenas me levanto, ponho a mala nas costas, o chapéu de aba na cabeça e abro a porta pra ela.

Finalmente vejo espanto nos olhos dela ao virar seu rosto em minha direção. Antes que ela possa perguntar algo que eu não quero responder, saio pela porta dizendo:

- Estamos partindo. A iniciação acaba de terminar. Quero essa menina perto de mim 24 horas por dia.

10 comentários:

  1. Como sempre, extraodinário.

    Inciação, é? Acho que é a menina-lobo, não?

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  2. Muito bom.
    Vc devia escrever um livro, sabe.

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  3. Está show cara.
    É tão bom ver alguém se referir a uma calibre 12 dessa forma, não sei porque, mas me irrita profundamente quando chamam de "shotgun"... ¬¬
    Parabéns cara! \o/

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  4. Re, seu jeito de contar histórias e a paciência para descrever detalhes que são absolutamente necessários, me encantam. Adorei saber que ela não está viva em carne e osso. Isso me surpreendeu.
    Sua fã, Ana.

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  5. Gostei demais. Foi o seu texto mais puro até agora.

    Bjs, Li

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  6. Renato...

    Você está se aprimorando, cada vez mais. As asas estão prontas para voar. Parabéns!

    Bia

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  7. Meu irmão, tá ficando cada vez melhor.

    Concordo com a Aline, você deveria escrever logo um livro. Já até passou da hora.

    Na minha opinião você está pronto agora. Amadureceu bastante no seu modo de contar uma história.

    As criticas ja fiz por skipe. Desculpe se sou tão chato, mas acho que ser amigo não é só dizer que ta ótimo, também é ajudar a trilhar o caminho.

    Grande abraço e parabéns cara!!!

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  8. Concordo com HEY JULIET! Foi o seu conto mais puro. Fiquei até surpreso, esse é, realmente, digno de um grande autor.

    Não sei quais foram as críticas do Edison, mas da minha parte, dessa vez, e você sabe que eu falo o que penso, só tenho elogios.

    Você até me fez gostar do Major. Prometo que não chamo mais ele de Salomon Caine.

    Grd abraço.

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  9. Muito bom cara, vc deveria escrever um livro mesmo,ou juntar todos esses contos, ou escrever um tipo esse último "Preparativos", bem direto, denso, sério, e até sombrio mesmo, muito bom, lerei mais agora, brigadão e parabêns aê,quero ver o Próximo agora hein "Escritor compulsivo", vamo lá, vlw cara, parabens, ficou muito bom,é isso ai. muito bom.

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