terça-feira, 24 de maio de 2011

Voo da Liberdade

Camaro, Honda S2000, Skyline, Evolution, Road Runner, Charger, Bandit, Mustang, Gran Torino, Chevelle, BMW, Cayman, Lamborghini Diablo, Impala, Civic, Eclipse, Corvette, Ferrari, Focus, GT, Jetta, Lotus, Audi TT, Romeo, Aston Martin, Bentley Azure, Cadillac, Daytona, T-Bird, Infiniti, Jaguar, Lexus, Mercury, Mustang, Cobra, Porsche, Supra…

Cada um deles modificado com mais de cento e vinte mil dólares embaixo do capo. Fora os tanques de NOS escondidos e as parafernálias usadas para modificar a aparência. Absolutamente nenhuma dessas cascas é mais o que aparenta. E só há um modo de descobrir do que cada uma é capaz hoje, correndo contra elas e seus pilotos. Ver um Civic correndo mais do que uma Ferrari é algo teoricamente possível apenas na imaginação da maioria das pessoas que acham que entendem sobre carros. Aqui a coisa é diferente, aqui um Civic com o mecânico certo, o motorista certo e cem mil dólares pode fazer qualquer Ferrari não modificada comer poeira.

Os mais antigos aqui já me conhecem, sou o dono do Dodge Viper que é capaz de voar na pista. Chegar à rua escolhida pra corrida sempre faz eu me sentir como se estivesse sendo sugado para dentro de um maldito clipe de Hip-Hop. Inúmeros carros tunados que provavelmente só estão ai de enfeite, mulheres e mais mulheres rebolando com roupas tão curtas e vulgares que não sei nem por que ainda se importam em usá-las, música alta e um bando de caras de todos os tipos, dos ratos de academia aos magrelos metidos a malandro, encarando uns aos outros e falando sobre altas quantias de dinheiro. Estou em casa.

Estando por aqui é quase como se eu fosse parte da colméia. Vejo todos como abelhas envolta da grande rainha. Uma rainha que, por sinal, eu conheço muito bem, afinal, ela é quase como a filha que nunca tive. Apesar de sua baixa estatura, seus longos cabelos ruivos a destacam na multidão ao seu redor. Alex realmente tem o porte de uma rainha.

Lembro-me de quando a conheci, uma pequena criança nas ruas sendo atacada por um obsessor. Ou assim eu pensei naquele momento. Quando me aproximei para exorcizar o infeliz percebi que a verdade era terrivelmente diferente. Na verdade era Alex quem estava no controle, ela estava judiando do espírito como se o mesmo fosse apenas um cão doente e abandonado. E o mais impressionante é que ela não fazia idéia disso. Do seu ponto de vista ela acredtava que estava apenas brigando com um amiguinho que comeu o seu doce.

Nas ruas de Los Angeles uma menina com cerca de dez anos suja e falando sozinha por ai realmente não é algo com que a maior parte das pessoas se importe. Bom, por sorte dela, eu não sou como a maioria das pessoas. Então, eu a acolhi e lhe ensinei o que era o mundo com o qual ela lida. Alex sempre foi proativa. Sempre foi bastante diferente de mim em certos pontos, o que facilitou muito a nossa convivência. Ela se especializou naquilo em que eu não podia fazer. Ao invés de apenas aprender o que eu tinha pra ensinar, a gratidão dela fez com que Alex decidisse aprender aquilo que eu não sabia fazer. Assim sendo, ela se tornou uma grande líder, o que eu posso dizer, a menina é ótima em ser o centro das atenções. Por isso quando lhe apresentei o mundo das corridas de ruas e ela se identificou com os carros modificados e o tipo de pessoas que geralmente são responsáveis por eles, bem, foi apenas natural que todo esse mundo passasse a girar em torno dela.

As pessoas não sabem do nosso relacionamento intimo, sabem apenas que trabalhamos juntos quando é necessário. Pobres coitados, nunca viram o que Alex realmente é capaz de fazer. E em nosso favor, mantê-la por aqui faz com que sua energia fique escondida de Jarael. A última coisa de que ela precisa é daquele anjo pentelho se metendo na vida dela.

Quando me aproximo dela a corrida já está praticamente pronta, apenas duas vagas restam. Ao me reconhecer, seus olhos verdes brilham pra mim. Ela sabe que uma das vagas é minha e sabe que após a corrida eu vou precisar dizer algo importante a ela.

Comprimento alguns conhecidos e posiciono meu carro na pista. É hora do show.

Para alguns a largada é o momento mais importante da corrida, os primeiros segundos que definem quem terá a maior vantagem e quem tem o maior poder pra demonstrar na pista. Eu chamo pessoas assim de amadores. Um verdadeiro corredor sabe que o que importa não é posição em que você larga, mas a posição em que você cruza a linha de chegada.

A minha direita um Lexus prateado, à esquerda a vaga do ultimo corredor e por ultimo o Jetta azul marinho. Não reconheço os pilotos, mas não faz diferença. Todos estamos aqui com o mesmo propósito e focados no mesmo objetivo, ou assim eu pensava até o ultimo carro chegar. O jaguar vermelho de Alex para bem ao meu lado. O que diabos estará acontecendo?

O vidro do carro dela se abaixa, nossos olhares se encontram e ela me lança um sorriso divertido, após me mandar um beijo, para, em seguida, fechar a janela novamente. É o nosso código algo está muito errado por aqui.

A corrida começa e os problemas desaparecem. Mesmo que o mundo esteja prestes a desmoronar, nesses poucos segundos até o fim da pista, eu realmente não me importo com mais nada. Os pneus cantam e o jaguar vermelho de Alex sai na frente, colado com o Lexus prateado. Eu saio em terceiro e o motor do Jetta não permite que o carro saia do lugar, algum mecânico certamente vai estar com a cabeça a prêmio antes do fim da corrida.

O piloto do Lexus é bom, mas Alex é melhor. Ela o provoca na pista, deixa que ele quase a ultrapasse, apenas pra sentir o gostinho da primeira posição, até que, quando ele começa a se sentir confiante, ela volta a liderar. A provocação funciona e o Lexus ativa os tanques de NÓS bem antes da hora. Idiota amador. O Lexus dispara na frente e eu quase posso ver o sorriso se formando nos lábios de Alex. Poucos instantes depois, é a vez dela de ligar os tanques e a corrida chegar ao fim, ela parece um raio passando ao lado da pequena mancha prateada. Eu a sigo de perto apenas pra não deixar o espertinho se engraçar comigo depois. A vitória aqui não é o mais importante pra mim, eu sou apenas uma figura popular, ela é a rainha e como tal ela precisa se manter invicta, então me asseguro que continue assim.

Nossa corrida chega ao fim e assistimos a mais três corridas em pontos diferentes da cidade como se tudo estivesse ocorrendo exatamente como o planejado e não tivéssemos nada para discutir. Ao fim da noite seguimos em direções opostas, vagamos um pouco pela cidade para despistar eventuais seguidores indesejados e depois nos encontramos no penúltimo andar de um estacionamento público no centro da cidade.

Ela me espera sentada no capo do jaguar, o casaco de couro protege sua pele clara contra o frio da noite e a perna levantada para apoiar o queixo no joelho faz com que ela ainda pareça uma menina aos meus olhos. Me aproximo já esperando pelas milhões de reclamações por não ter corrido serio contra ela e etc... Mas ao invés disso ela apenas me encara séria, seja o que for, algo me diz que eu não vou gostar

- Já faz tempo desde a última vez que você apareceu nas corridas. - O tom apreensivo dela sugere que toda a calma que seu rosto apresenta não passa de uma mascara pra não me deixar preocupado – Um homem veio procurar por você duas noites atrás. – Não escondo a surpresa que a idéia me causa. Ninguém deveria saber que Alex tem facilidade para me encontrar.

- Eu estive ocupado. Quem era esse homem? – Mesmo sabendo que era isso que eu iria perguntar ela espera que eu verbalize a pergunta apenas para ter certeza de que minha voz não possui nenhuma alteração sobrenatural.

- Ele não me deu um nome, disse apenas que precisava entrar em contato com você a respeito de um negócio pendente. Algo que você tirou dele a mando de alguém e ele quer de volta.

- Se eu ganhasse uma moeda por cada pessoa que cabe nessa descrição estaríamos longe daqui, vivendo em um palácio e não teríamos que conversar nesse lugar fedorento sempre que algo importante acontece. – Meus comentários ainda conseguem faze-la sorrir, nem tudo está perdido.

- Ele vestia uma capa de chuva, um chapéu de aba e andava apoiado em uma bengala que mais parecia um bastão. E algo na sua voz não estava certo, ele soava velho de mais para a aparência jovem que tinha.

- E quanto aos olhos, alguma particularidade? – Pergunto rezando que ela diga que não.

Alguns instantes se passam até que ela se recorde. Os olhos dela parecem me estudar como se ela estivesse procurando a resposta no meu semblante e quando penso que ela vai ficar sem dizer nada vem a resposta:

- Não. Não notei nada de estranho. – Depois de tantos anos ela ainda acha que eu não sei quando ela está mentindo. Droga, eu é que tenho que protege-la dessas pragas infernais e não o contrario.

Meus olhos se fecham por um momento. É doloroso pra mim ter que confronta-la dessa forma. Mas não posso deixar que ela se envolva ainda mais nisso por mim.

- Então, é isso. Você agora esconde as coisas de mim. Vai esconder também a carta que ele lhe entregou?

Ela fica boquiaberta. Por incrível que pareça, ela de fato achou que conseguiria me enganar. Mas em segundos a surpresa é deixada de lado e a indignação toma conta dela.

- Você acha o que? Que vou simplesmente deixar que você fique se metendo em encrenca por ai sem fazer nada? Se esse negociador de almas me procurou ele é problema meu, eu vou lidar com ele. Você já tem problemas o bastante.

Deixo que ela ponha pra fora. Sei o quanto é frustrante ficar de fora da ação. Mas mesmo assim ela não vai arriscar a vida por mim, especialmente com um negociante de almas. – Me entregue a carta, Alex.

Ela me encara com firmeza. Não é mais aquela menina que podia apenas mandar pra casa e ficar fora de problemas.

- Você tem duas opções: ou eu te entrego essa maldita carta e você me deixa ir junto com você e entramos nessa juntos ou eu posso simplesmente usar a carta eu mesma e localizar esse cara sozinha. O que não vai acontecer é eu esperar ele vir me procurar outra vez, se ele me achou uma vez pode fazer de novo, dessa vez eu é que vou levar a briga até ele, não vou esperar ele me pegar de surpresa de novo.

Não posso negar a menina me deixa orgulhoso. Ela agora consegue ostentar ao mesmo tempo a doçura da menina inocente que eu treinei e o porte da rainha das pistas que todos respeitam.

- Me encontre amanhã ao por do sol próximo ao café da galeria no seu bairro. Veremos se você está mesmo pronta.