sexta-feira, 18 de junho de 2010

Iniciação

Já se passaram dois dias desde que cheguei aqui. Não agüento ficar esperando a noite chegar pra poder realizar o ritual. Nos outros dias também foi assim, passei o dia todo agoniada esperando anoitecer pra poder fazer o que precisa ser feito. Ao menos nesse casebre isolado não tenho que me preocupar com os assuntos da matilha. Nada mais importa, as ordens de Kida, as maquinações de Wolfgart, ou mesmo a vigilha silenciosa dos guardiões. Aqui eu posso ser eu mesma e ficar a sós com os meus pensamentos. Isso às vezes faz bem pro espírito. Me pergunto como Kida se sentiu quando teve que passar por isso dez anos atrás.

Odeio essa sensação de não saber o que vai acontecer a seguir. No primeiro dia eu não fazia idéia de que tipo de animal eu teria que caçar pra poder conseguir o meu amuleto. Acabou que enfrentei um urso cinzento, péssima idéia. Nunca havia encontrado um animal tão forte. Escapar de cada golpe de suas patas era uma proeza única e, acredite, ele tentou me acertar diversas vezes. Cada uma delas me fazia pensar que seria a hora de perder a minha cabeça, mas no fim a força dele não foi páreo pra minha agilidade combinada a sabedoria que adquiri nos combates simulados com os filhotes da matilha. Foi realmente duro, quando o combate terminou eu estava completamente sem forças, era possível sentir cada um dos meus músculos gritando de exaustão, mas mesmo assim meu espírito estava realizado, as feridas ardiam, o suor escorria pelo meu rosto sujo de terra, e a brisa fria noite trazia os aromas da floresta aos meus pulmões que praticamente gritavam, mas ainda assim eu não poderia estar me sentindo melhor quanto ao que acabara de realizar. É nisso que dá encarar o animal mais poderoso das redondezas, o urso cinzento é conhecido nessas terras, pois nem mesmo os mais audazes predadores ousam desafiá-lo e eu ousei. Onde eu estava com a cabeça? Ao menos agora não há mais nenhum modo de Wolfgart tentar assumir o trono da família. Eu não quero liderar a matilha, realmente acho que não fui feita pra isso, mas se esse for o único modo de deter Wolfgart é exatamente isso o que eu farei e é exatamente pra isso que serve a presa do urso, pra provar o meu lugar de direito. Lembro que anos atrás Kida voltou com a garra de um leopardo e Wolfgart com os chifres de um touro selvagem, os animais mais poderosos derrotados dentro da matilha. Espere só até que eles vejam as presas do urso cinzento, mal posso esperar pela expressão revoltada no rosto dele e o orgulho nos olhos de Kida.

Ontem foi a mesma coisa, eu ainda estava cansada da caçada na noite anterior, e fazer qualquer coisa nesse casebre é trabalhoso, mas mesmo assim eu ainda fiz uma coisa ou outra. Quando a noite chegou iniciei o ritual de purificação. Fui até a margem de um rio perto daqui e me banhei sob a luz a da lua. As águas naturais são realmente poderosas, não só o meu corpo ficou completamente limpo e renovado como também o meu espírito. A força das águas conseguiu limpar todos os sentimentos negativos que eu carregava. Eu não mais pensava no meu rancor por Wolfgart, não estava mais preocupada com Kida e adquiri uma nova confiança em mim mesma. Os músculos pararam de doer, as feridas da caçada não mais ardiam e eu pude ficar completamente relaxada, meu corpo e meu espírito estavam purificados e unificados com a natureza. Quando voltei ao casebre acendi os incensos de ervas que trouxe comigo de casa e preparei os artefatos pro ritual de hoje. A casa agora vibrava de modo diferente, o aroma de ervas do incenso me trazia bons pressentimentos. Foi realmente o dia mais tranqüilo que tive em anos, consegui dormir o sono leve de um bebê embalado pelo sussurro amigável do vento e das águas do rio.

Hoje acordei bastante disposta apesar do tempo fechado e da neblina que cobria quase todo o campo. Tive vontade de assumir a minha forma animal e correr pelos campos, sentir o vento e a mata como se fossem parte de mim mais uma vez, mas preferi poupar as forças pro ritual, afinal, esse vai ser o mais difícil e mais importante de todos. Já está tudo pronto, só espero que essa chuva não dificulte as coisas, vai ser um saco manter a fogueira acesa com a chama viva e brilhante se estiver chovendo muito. Não consigo parar de pensar em quem será o meu espírito guardião e que forma ele irá assumir, estou realmente curiosa pra saber. E não sei por que, mas a aquela mesma sensação que senti semanas atrás quando estava caçando perto de casa tem estado cada vez mais presente. Não sei o que se passa comigo, é como se o tempo todo algo ou alguém estivesse a espreita, apenas me observado e me estudando. Não gosto nem um pouco disso. É até agradável saber que tem alguém tão interessado em mim a ponto de me vigiar a cada passo, mas é ao mesmo tempo extremamente angustiante não fazer a menor idéia de quem é essa pessoa, se é que ela realmente existe.

Quando finalmente decido cessar meus devaneios e arrumar algo pra fazer, noto algo peculiar no casebre. Um pequeno camundongo branco de olhos vermelhos está parado bem no meio da sala me encarando. Eu estou no meio da mata, afastada de tudo, seria impossível que um camundongo branco chegasse aqui sozinho, especialmente um tão bonitinho, se fosse uma ratazana cinza eu nem diria nada, mas não tenho a sorte de algo tão simples acontecer comigo, são só as coisas bizarras mesmo. Chego a pensar em ignorar o pequenino, talvez ele desapareça e eu não tenha que lidar com outra loucura, mas, pra variar, a curiosidade me vence e eu acabo perseguindo a bola de pelo pela casa. Por fim consigo capturá-lo na cozinha (se é que se pode chamar aquilo de cozinha). Seguro o pequeno animal cuidadosamente, mas com firmeza o bastante para que não fuja. Sorrio ao notar como bate rápido o seu pequeno coração.

- De onde você veio? – Me divirto ao perceber que estou falando com um roedor branco. Antes que eu acabe me apegando a pequena criatura, pego um pote velho que provavelmente já foi um prato um dia e alguns livros em minha mochila e utilizo-os para fazer um lugar seguro onde posso guardar o ratinho e evitar que ele escape, não posso lidar com isso agora, o ritual é a minha prioridade.

De volta à cozinha me sirvo com um pouco de sopa. Odeio essa comida pura, o que eu não daria pra poder comer um bom bife se o ritual permitisse. Eu nunca fui boa de cozinha, então a sopa, além de ser uma comida sem graça, sendo preparada por mim acaba ficando pior ainda, mas também não é nada que eu não possa fechar o nariz e acabar comendo rápido pra não sentir o gosto.

Acabo perdendo a tarde toda me preparando pro ritual, pego bastante lenha pras fogueiras, organizo as ervas e termino de limpar as presas do urso cinzento, acabei ficando o dia todo imersa nessas coisas, nem vi o tempo passar, quando dou por mim o sol já está se pondo. Droga, acabei me esquecendo do ratinho! O bichinho deve estar faminto e morrendo de sede embaixo dos livros. Corro até a cozinha e faço uma pequena tigela pra ele com água e ponho ao lado um pouco dos legumes que sobraram da sopa, não sei nem se ele come isso, mas se não comer também não há nada mais que eu tenha a oferecer. Lembro-me de ter visto uma gaiola de passarinhos em algum lugar, dou uma olhada pelo casebre e não tardo a encontrá-la. Quando sua nova casinha está pronta com água e comida, vou até o lugar onde o deixei e removo os livros que o prendiam. Imediatamente o bichinho corre em disparada para água, não posso evitar me sentir culpada por tê-lo esquecido.

Agora, olhando com mais cuidado, posso notar que há uma pequena tira vermelha de couro presa em seu pescoço. Muito estranho. Decido dar uma olhada e sou surpreendida com algo ainda mais estranho: meu nome está gravado nela. E há também uma mensagem do outro lado. Droga, não posso lidar com esse tipo de coisa momentos antes do último ritual, mas ao mesmo tempo eu não vou conseguir me concentrar se ficar preocupada imaginando o que a mensagem dizia. A dúvida me consome. Passo quase uma hora sentada de braços cruzados olhando para a fita sobre a mesa e para o camundongo assustado no fundo da gaiola.

Chega! Não agüento mais encarar esse papel. Acabo saindo do casebre pra respirar um pouco de ar puro. Observar o campo e sentir a brisa do vento contra o meu rosto sempre me ajudou a colocar as coisas em perspectiva. Olho para as estrelas em busca de uma resposta, quando finalmente desvio o olhar já estou decidida, vou ler logo o bilhete e acabar com isso de uma vez. Não posso fazer o ritual com isso me atormentando e não posso me dar ao luxo de falhar e desapontar Kida, não vou dar esse gostinho a Wolfgart, sei que ele adoraria me ver falhando.

Volto pra dentro do casebre e procuro pelo pouco de luz que ainda me resta, já é hora de acender as tochas ao redor do casebre, essa precisa ser uma noite bem iluminada pelos elementos da natureza. Uma vez que as chamas estão brilhando vamos ao bilhete. Respiro fundo e abro a fita, a primeira coisa que vejo ainda é o meu nome escrito em uma caligrafia bonita, agora vamos a parte que eu não vi ainda, as letras miúdas me deixam tensa: “Pode um vampiro desejar uma lupina?”

- O quê? – Me surpreendo gritando alto o bastante pra assustar até o mais feroz animal da floresta. – Só pode ser coisa daquele maldito coração negro! – Me ouço rosnando baixo tentando recobrar a sanidade que o bilhete expulsou de mim. – Não vou permitir que você estrague o meu momento, seu desgraçado. Você não vai fazer isso comigo! – Atiro a fita longe e volto até o camundongo amaldiçoando Wolfgart e todas as possíveis gerações de sua família.

De volta à mesa sou praticamente obrigada a dar um sonoro tapa em minha própria testa. - Como pude ser tão idiota? - Eu tranquei o ratinho em uma gaiola de madeira, ele obviamente roeu as barras e escapou, no que diabos eu estava pensando? Odeio quando dou esse tipo de mancada. Não importa. Que Wolfgart e seu maldito esquema pra me sabotar vão pro inferno, não vou permitir que eles estraguem o meu ritual. Vou até as minhas coisas, visto minhas roupas ritualísticas, penduro o novo cordão com as presas do urso cinzento no pescoço, queimo as ervas amassadas na tocha mais próxima e me dirijo para o lado de fora do casebre.

No momento em que a porta se abre um enorme homem careca e de pele negra está me aguardando ao lado de uma fogueira do lado de fora. Como não o ouvi chegando e acendendo a fogueira? O que está havendo?

Aproximo-me com cautela, por mais que eu devesse estar preocupada e receosa, não estou. O homem exala uma aura de conforto, sinto uma certa cumplicidade com ele, como se já nos conhecêssemos há muitos anos. O ar em torno dele é leve, carregado de uma seriedade tranqüila e serena, a fumaça da fogueira tem um cheiro bom, me pergunto que tipo de ervas queimam ali dentro. Quando finalmente me aproximo, vejo os dois metros de músculo me encarando com aquele olhar misterioso, ele parece um gigante de ébano saído de alguma historia antiga. Ficamos frente a frente e ele se levanta com os olhos fixos nos meus. Sinto como se seus olhos atravessem a minha alma.

Minha mente se distrai, estou realmente muito à vontade com ele, a ponto de me pegar pensando sobre o fato de a minha altura não ir muito além da de seu peito nu. Talvez se eu ficar na ponta dos pés consiga ver por cima de seus ombros.

Ouço a lenha estalando na fogueira e quando dou por mim estou tão envolvida em seu olhar que não percebi o que se passou, meu corpo está todo coberto por tatuagens tribais negras, me sinto como uma rainha amazona ou algo do tipo, talvez eu realmente esteja destinada a liderar a matilha, mas meus devaneios são interrompidos por sua poderosa voz que ecoa em um tom seguro e calmo:

- Veremos se a princesa está pronta para o trono, está na hora de testá-la.

14 comentários:

  1. Cara, eu gostei do texto, mas acho que você repete demais a palavra ritual e suas derivações. Ja estava firme a idéia de que ela se preparava para o ritual. Mas o texto ficou ótimo, parabéns!
    ------momento underwrold-------XD

    ResponderExcluir
  2. show de bola re!
    conto bem escrito e intrigante
    parabés rapaz
    coninua nessa

    ResponderExcluir
  3. bem primo, nao sei mt sobre cronica nem sobre a lingua portuguesa, hahahaha,então ñ posso dizer muitas coisas..
    mas eu gostei sim da história!
    beijos (:

    ResponderExcluir
  4. Gte,vamos divulgar o trabalho desse escritor talentoso que é o Renato Dantas.
    Rê,essa personagem é quente! história mto bem amarrada. Adequação vocabular de alto nível.História atraentíssima! Parabéns!!! Tu é foda,cara!!!! Beijos da Ana.

    ResponderExcluir
  5. Senti falta do climax, e concordo com o D.Matheus, houveram alguma repetições de palavras.
    No mais a história está muito legal.
    Espero que o Renato escreva mais rápido, pra sabermos o que acontece em seguida.

    ResponderExcluir
  6. Concordo com o que todos disseram, principalmente o que a Ana disse. Temos que divulgar porque esses contos são fodas!!!

    ResponderExcluir
  7. Gostei muito desse aqui também o final eu fiquei naquela de querer mais.. como se ainda desse pra enriquecer esse momento hahahah mas tudo bem.Você realmente escreve super bem Rê.Adorando ver seus contos

    ResponderExcluir
  8. Cara, mesmo sem nenhuma cena de ação, esse conto foi o mais tenso!!!!

    ResponderExcluir
  9. Ahh' gostei desse =)
    Deu pra visualizar toda a cena.
    Escreve logo o resto que estou curiosa rs

    ResponderExcluir
  10. Quando é que vc vai publicar um livro com as aventuras de Kida???

    Bia

    ResponderExcluir
  11. *-* ela vai conseguir!
    muito bom renatinho, desculpa a demora.
    adoro essa menina! hahaha \o/

    ResponderExcluir
  12. Fora a repetição de palavras, achei o texto muito bom, mo viajem, muitas ervas, hehehehe...

    Maneiro, maneiro.

    Bisão

    ResponderExcluir
  13. é, esse negoço d vampiro ta na moda msm! aahahah

    demoreii mas vim visitar! bjuuuuuuu

    ResponderExcluir
  14. adoreeii..so acho q foi meiu paradao..continuarei lendo =D

    ResponderExcluir