domingo, 19 de setembro de 2010

Fagulha

Ouço gritos e chamados por todos os lados. É uma bagunça. Não me entenda mal, não estou reclamando... Certo, eu estou reclamando, mas que droga. A verdade é que o lugar está tão cheio quanto parece vazio... Ceeerto, essa é uma afirmação muito esquisita, mas é também a mais pura e cristalina verdade... Ao menos pra mim.

Preciso me situar. Dou uma boa olhada em volta e... É, eu realmente estou no lugar certo. Essa balburdia é um inferno. Mesmo que eu quisesse dar atenção a todos, e eu não quero, é impossível entender algo com tantos falando ao mesmo tempo.

Agacho-me, fecho os olhos e tapo os ouvidos até que todos se calem. De repente, mais rápido do que pensei, só há silêncio. Alguém toca o meu ombro. Abro os olhos e vejo um menino, de mãos dadas com a mãe, me fazendo a mais ingênua das perguntas:

- Você tá rezando, tio? – Sorrio e aceno com a cabeça. A mãe rapidamente o puxa e segue seu caminho. Fico de pé e olho novamente ao redor. São tantas passagens, e nenhuma indicação, que é difícil achar alguém por aqui. Sem muita alternativa, na verdade alternativas demais, escolho a passagem mais próxima e sigo em direção ao ponto mais distante do cemitério. Imediatamente a algazarra recomeça.

Certo, eu sei que está muito confuso, mas vou tentar explicar com uma analogia. Sou o que algumas pessoas chamam de Médium. Tá, isso não é uma analogia, mas só porque eu ainda não terminei de explicar. Eu não jogo cartas, búzios, e muito menos leio mãos (detesto quando alguém me pede essas coisas), esse tipo de gente seria algo como uma vela. Também não tenho nenhum tipo de guia espiritual ou coisa parecida, esses médiuns seriam uma espécie de lanterna. Eu, bem, eu vejo e ouço coisas que as outras pessoas não vêem, vejo e ouço com clareza, às vezes até de mais. Pode-se dizer que sou capaz de interagir com espíritos em vários níveis, sou algo como um farol, sabe, um farol desses que, quando há muita neblina, alertam os navios que a terra firme está próxima.

Com tanta capacidade de interação, você deve estar se perguntando por que eu não pergunto a um dos espíritos como encontro quem estou procurando. A primeira regra do meu negócio é: Espíritos que vagam nunca fazem nada sem pedir algo em troca, então não peça nada a menos que não exista alternativa (Grande e útil dom esse meu).

Esse cemitério é um dos piores, já estou com dor de cabeça. Pra cá são mandados os indigentes e os bandidos de pior calibre. Por ai já da pra perceber que não há muita luz entre esses espíritos, ou como prefiro chamá-los: “demo-espíritos”. A maioria aqui nunca fez nada de bom em vida, mas como dizem: há sempre uma luz no fim do túnel. E eu estou aqui pra resgatar essa fagulha de esperança.

No meio de tanta escuridão eu não tardo a encontrar quem procuro, e é justamente aqui que está o maior problema de se encontrar um espírito tão fraco em um lugar como esse. Ele, Ruan Marco Salgueiro, como era conhecido em vida, está sendo atormentado pelos espíritos sem luz a sua volta. Desse jeito não há como ajudá-lo na passagem, tão pouco conseguir dele o que me foi pedido.

Regra número dois do negócio: Não se envolva nos assuntos dos espíritos, nunca acaba bem. Sorte dele que eu não sou muito bom em seguir regras.

- Ei, vocês ai? – É eu estou falando com os espíritos, eu disse que podia interagir com eles. A primeira reação dos demo-espíritos é sempre a mais interessante, sabe, quando não são eles que chamam por mim e sim eu por eles. Quase sempre é assim, eles me olham com raiva, mas travam. – Acho que o meu amigo ai não quer brincar com vocês, sugiro que o deixem em paz...

- Ou o quê? – Um dos demo-espíritos me corta gritando. Odeio quando eles fazem isso, significa que não vai acabar bem. Regra número dois.

Abro o casaco e espalho sal a minha volta em um só movimento. Na maioria dos casos essas criaturas não podem fazer mais do que me encher a paciência, mas existem exceções e eu não gosto de ser pego de surpresa. Regra número três: Todo risco desnecessário é grande demais.

Felizmente, pra mim, os demo-espíritos desaparecem. Acho que a proteção que criei e o fato de poder interagir diretamente com eles sem ser chamado deixaram claro que não sou qualquer um.

- Ruan Marco Salgueiro, você foi enterrado como indigente e não recebeu o perdão para sua passagem. - Faço uma pausa e espero pela reação de Ruan. Ele simplesmente não tem nenhuma. – Em vida você ajudou no sequestro de duas pessoas. Em nome dos parentes das vítimas eu lhe ofereço absolvição de seu pecado e promessa de que eles pedirão em suas preces que seu espírito tenha luz para acender. – Ruan, vira a cabeça em minha direção. Ele agora parece mais interessado.

- O que você quer de mim? – É, a recíproca é verdadeira. Nós também sempre queremos alguma coisa em troca de outra, a regra número um também vale pra eles.

- Quero saber para onde seus cúmplices levariam os reféns.


Por: Alessandro Dantas de Melo

7 comentários:

  1. Pessoal, como as coisas no trabalho estão cada vez mais intensas eu definitivamente não estou tendo tempo para escrever. Assim sendo, presenteio-lhes dessa vez com um conto de autoria do meu irmão. Espero que tenha agradado.
    Atenciosamente, Renato Dantas

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  2. Um dos personagens mais interessantes até agora.
    E amei o final suspense com gosto de "Quero mais".
    Muito bom! :)

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  3. AD, vc que é irmão do RD:tirando o "de mais"separado,adorei! Ágil e atraente. Muito bom,já vi que o sangue da familia carrega talento pra isto!
    Vcs tem um humor sensacional que serve como excelente adorno às estórias muito boas que escrevem! Parabéns!!! Ana.

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  4. Uau!!! Fiquei arrepiada, pois trata-se de algo que entendo e vivo... Seu irmão escreve muito bem, mas quero ler um conto seu!!! ^^

    Bjos, Mari Lutz.

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  5. Acho q ja saquei o que aconteceu entre esses dois hahaha

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  6. Caralho que irado!
    Visualizei perfeitamente um episódio piloto ^^

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